MULHERES TECENDO HISTÓRIAS: AULA 7 [27.04.19]


“O melhor cordel não tem rimas, mas ímãs”.
(Marcelino Freire)


“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.
(Cora Coralina)


“Tire o seu racismo do caminho que eu quero passar com a minha cor”.
(Marlei Boa Morte, incidental sobre “A flor e o espinho”.)


“O acordar é difícil, pois o corpo é dor”.
(Sônia Oliveira)


“Ilha: umbigo deserto de mar”.
(Renata Cazarini de Freitas)


A leitura em voz alta de poesia é algo! A sétima aula das “Mulheres tecendo histórias” teve início com uma dúvida bem interessante: como ler poesia de cordel? O mestre poeta Marcelino explicou: nada de dar ênfase às rimas, mas ler como quem conta uma história. Funciona! É perfeito!


Uma rima ecoa na outra, elas se atraem. Daí a frase que colhi do mestre. As frases, aliás, serão o roteiro do relato de hoje. Marcelino começou a coletar as frases que serão bordadas pelas Marias nossas amigas da Coletiva Tear & Poesia. Veja o post desse encontro.


Marcelino sugeriu visitar o blog Cordel Animado, da pernambucana Mariana Bigio, que lê poesia de cordel para crianças. Saiba aqui quem ela é. E aqui um fantástico exemplo do seu trabalho.


Eu, que sou entusiasta de William Shakespeare, recomendo muito o cordel “Hamelete”, texto de Octávio da Matta, baseado na peça “Hamlet” do dramaturgo inglês. Foi encenado há alguns anos e muito premiado, mas não está em cartaz. Dá pra ter uma ideia vendo isto.


DEPOIS...
Aí foi a hora de lermos ainda nossos diários para o período 30 de março a 12 de abril. Daí surgiram vários relatos interessantes. Comento os das nossas duas Márcias.


Márcia Nichii, bióloga e professora, nos paralisou quando contou como o bichinho de estimação da família, uma louva-a-deus, morreu por falta de borboletas ou mariposas para sua dieta diária. A curiosidade foi tanta que descobrimos que o inseto é carnívoro, comendo, por exemplo, lagartixas.


Por trás do relato, ficou a revelação dos hábitos de uma família de observadores da natureza e – como é óbvio no caso da Márcia – de apreciadores da literatura. Todo o seu diário tinha, a cada registro, uma frase conhecida de cientista (Albert Einstein) ou escritor (Cora Coralina, acima).


Márcia Traldi, psicóloga, fez algo diferente, um semanário, não um diário, com longas frases pontuadas por palavras incomuns, aparentando neologismos. Um texto denso, de observação profunda da vida. Mas a sacada literária parece estar na frase que foi selecionada para o bordado, frase chã, contraponto à sofisticação do texto e, ao mesmo tempo, nervo da reflexão: “As palavras que não podem ser ditas esculhambam a liberdade”.


O que vou reproduzir aqui é o diário da Heloísa Rocha Aguieiras, a Helô, jornalista, professora e atriz. A foto que ilustra o texto também é dela.




- 30/03: Jogada no chão da avenida mais movimentada do país, sendo pisoteada, empurrada, varrida e até cuspida estava ela estatelada, arregalada, me chamando pro embate... aquela pergunta desaforada: “Você já viveu um grande amor?”
- 31/03: Se estivesse aqui, descaradamente roubando a última latinha de cerveja da minha geladeira, você estaria completando 90 anos. Foi há quatro consertar panelas em paragens celestiais, né pai?
- 01/04: Esqueci que era Dia da Mentira e briguei de verdade com o professor. Agora guenta cara feia até o fim do semestre.
- 02/04: O ser que não descansa, que não dá trégua, que nem a si próprio alcança. O ser que se autoflagela nessa inconstância da consciência para cair no abismo da insônia.
- 03/04: O texto explode dentro do peito e jorra da boca com a emoção do que visto, do que agora sou eu. Mais um ensaio e o palco se transforma em casa para esse corpo novo.
- 04/04: Dia pachorrento da porra!
- 05/04: Dia pachorrento da porra II, a missão! Só pode estar testando a minha completa falta de paciência. Só que dessa vez foi pior, teve aula de qualquer coisa, com conteúdo de coisa nenhuma.
- 06/04: Sobe, desce, para, tem batuque de palavras no coração. Tem gente bonita, que faz mágica com linha no ponto. Pic pic da agulha, que entra e sai e o poema tá costurando junto com o verbo, a conjunção. Vem tudo das mãos das Marias, do Tear & Poesia. Demos de comer à alma, agora chegou a hora da pança, com companhia da melhor estirpe, que de sobremesa pede vontade de viver.
- 07/04: Amigo novo e amigo velho vêm abraçar a gente. Dentro do nosso lar fazem corrente de carinho que retribuímos aplacando o pecado da gula. É amizade misturada com espetinho, farofinha de tranquilidade temperada com muita confiança e assim passamos horas domingueiras, com o melhor amigo e o amorzinho que ele trouxe para mostrar que belo é.
- 08/4: Dia de aula. Teoria com ilusão... será que um dia isso acaba?
- 09/04: Abraçada ao doce companheiro, assisto uma vida doida na série jovial. Isso não me inspira, mas o momento é de paz no aconchego do lar.
- 10/04: o personagem explodiu e criou vida própria nesse ensaio para a glória!
- 11/04: Dia de feira tem pastel, garapa; fruta doce de toda espécie; o verde das verduras predomina na paisagem e o cheiro tão típico enche as narinas.
- 12/04: Revolução Francesa é tema do estudo para o jovem curioso e astuto. (Dei aula de redação sobre esse tema).


Li para o grupo o meu “DesDIÁRIO DE UM INQUISIDOR”. Marcelino comentou como se pode, mesmo, estruturar todo um texto só feito de perguntas. Está no post anterior.

O repertório das bordadeiras será de frases poéticas. Marcelino, mestre poeta, disse: “Vocês fizeram frases poéticas, literatura pura, que transcendem os exercícios. Será um livro bordado de poesia”. Muito tem sido criado na oficina, seguindo o norte que nos dá Marcelino, só que na hora de escolher a frases, parece tão mais difícil. Pouco parece estar à altura de ser materializado no trabalho manual das bordadeiras.


Essa artesania nos une – nós, das “Mulheres tecendo histórias”, & nós, da “Coletiva Tear & Poesia”. Somos NÓS uma só quando ouvimos frases como as de Marlei e de Sônia e ainda outras que virão nos próximos posts.




No fim do encontro, lemos ainda a produção motivada pela palavra sorteada no encontro de 13 de abril. A palavra que tirei foi ILHA. E a frase sendo criada assim:

1. ILHA > umbigo do mar deserto (ou) umbigo deserto no mar
2. ILHA: não mais que um umbigo deserto no mar
3. ILHA: não mais que o umbigo deserto do mar
4. ILHA: não mais que um umbigo deserto no mar (voltei atrás)
5. Ilha: umbigo deserto de mar.

Se todas aprovarem, essa será a minha frase para o bordado.


No nosso primeiro encontro de maio, devemos conversar sobre microcontos. Marcelino tem trabalhado com isso. Seus microcontos sobre a saudade estão na rede.

Ele organizou o livro “Os cem menores contos brasileiros do século”, antologia que reúne 100 escritores brasileiros em 100 microcontos de até 50 letras, publicada pela editora Ateliê em 2004.


Ele nos deu pra lermos uma lista variada de microcontos, da qual extraio os seguintes:
“No princípio era o verbo”. (Bíblia)
“Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”. (Augusto Monterroso)
“Matamos o tempo; o tempo nos enterra”. (Machado de Assis)
“No sétimo dia, Deus descansou. Quando acordou já era tarde”. (Tatiana Blum)
“Urgente: gente com pressa”. (José Paulo Paes)


E, com pressa, me retiro até o próximo post das “Mulheres tecendo histórias”.