MULHERES TECENDO HISTÓRIAS: AULA 10 [18.05.19]


“O poeta não explica, eleva nossa consciência”.
(Marcelino Freire)


Numa dia cinza, aquela chuvinha lá fora, na sala do 3º andar do Itaú Cultural na Avenida Paulista, as “Mulheres tecendo histórias” são provocadas a fazer uma pergunta ao poeta. Que poeta? Um ou uma poeta idealizado/a. Não ao mestre poeta Marcelino Freire. Nem a um poeta nomeável. Apenas a um/a poeta. Uma pergunta para poeta.
Marcelino provoca com uma pergunta tirada da poesia de Manoel de Barros (1916-2014):
O que há de você na água?” O poema de Manoel de Barros abaixo.


MATÉRIA DE POESIA
2. Muita coisa se poderia fazer em favor da poesia:

a — Esfregar pedras na paisagem.
b — Perder a inteligência das coisas para vê-las. (Colhida em Rimbaud)
c — Esconder-se por trás das palavras para mostrar-se.
d — Mesmo sem fome, comer as botas. O resto em Carlitos.
e — Perguntar distraído: — O que há de você na água?
f — Não usar colarinho duro. A fala de furnas brenhentas de
Mário-pega-sapo era nua. Por isso as crianças
e as putas do jardim o entendiam.
g — Nos versos mais transparentes enfiar pregos sujos,
terens de rua e de música, cisco de olho, moscas de pensão...
h — Aprender a capinar com enxada cega.
i — Nos dias de lazer, compor um muro podre para caramujos.
j — Deixar os substantivos passarem anos no esterco, deitados de barriga,
até que eles possam carrear para o poema um gosto de chão
— como cabelos desfeitos no chão — ou como o bule de Braque — áspero de ferrugem,
mistura de azuis e ouro — um amarelo grosso de ouro da terra, carvão de folhas.
l — Jogar pedrinhas nim moscas...
                                                           (Manoel de Barros, in: “Gramática Expositiva do Chão”, p.182)


As perguntas não ficam sem respostas. A gente passa pra colega do lado esquerdo pra responder. Algumas duplas de perguntas & respostas abaixo. Eu recebo a pergunta da Ivonete e passo a minha pra Marlei.


Ivonete pra Renata:
Poeta, por que o bonde não passou?
— Ele passou, mas foi quando você piscou.


Renata pra Marlei:
— Quanto sangue corre em suas veias, poeta?
— Em minhas veias é impossível saber a quantidade, pois não é só o sangue. Tenho em minhas veias energia que alimenta a minha alma e se, um dia, perdesse todo o meu sangue, minha alma me sustentaria.



A pergunta da Delma, a Solange responde. A pergunta da Solange, a Margarida.
Delma pra Solange:
— Se cada um ficasse com seu quinhão, cabe fazer dessa soma divisão?
— Independente de cada quinhão, a divisão, sim, será benéfica à multidão. Sendo trocada, seria complicado se fosse subtração.





Solange pra Margarida:
— Poeta, qual é o transporte que existe para chegar no horizonte?
— Trem bala, metrô, avião – e o seu pensamento no horizonte.


Discutimos outras questões: edição e bordado de poesia.
A agenda até o final do curso: vai ter espetáculo de encerramento no final do semestre.  


Como apêndice, publico algumas BIOGRAFIAS EM 6 PALAVRAS, inspiradas pelo projeto que descobri recentemente. Veja nosso post da Aula 9 aqui.
Judas
Leve. Menos leve. Muito menos leve.


Dorian
Minha boneca já tem cabelos brancos.


Armstrong
Olho pra trás, não tem ninguém.


Ayrton
Não deixo mais marcas no asfalto.


Carlitos
No silêncio, nada ficou sem dizer.


Oscar
Uns traços sem esquadro: a catedral.


Maria
Brincar de casinha. Morrer de pancada.


                                                   (Renata Cazarini)