MEDEIA – Tragédia digital ao vivo


Tema: Medeia, de Eurípides

Tradução e adaptação: Stephanie Degreas

Direção: Marcos Suchara

Elenco: Gustavo Andersen, Heidi Monezzi, Marcela Gibo, Marcos Suchara, Ricardo Aires, Stephanie Degreas, Tiago Garcia (Sórdida Cia.)

Músicas originais: Marcela Gibo

Operadora de som e vídeo: Carla Cocenza

Duração: 60 min.

Assistido em: 20 set.2020 

Temporada: 13 a 28 set.2020

Teaser da peça.


Divulgação: Medeia – Tragédia Digital ao Vivo conta a história de uma das mais conhecidas personagens do teatro mundial: feiticeira refugiada, que vê sua vida virar do avesso depois que é abandonada pelo marido e banida da cidade onde mora. Medeia arquiteta uma cruel vingança para punir os responsáveis pelas humilhações e privações a que ela e seus filhos são submetidos. A montagem, adaptada da obra original de Eurípides, se molda à atual ferramenta tecnológica de transmissão ao vivo via chamada, que potencializa, através do isolamento das telas, as sensações, angústias e impotência dos personagens.


COMENTÁRIO

“Não sei se é teatro, mas é sincero e é porque queríamos muito fazer”. @stedegreas


Sim, é teatro se considerarmos os diálogos, a tela repartida em dois ou três quadros, uma ou outra tomada de corpo inteiro de Medeia, tanto deitada sobre a cama, como em pé no banheiro (aliás, curiosamente, o banheiro se torna cenário recorrente no teatro on-LIVE). A interação ao vivo entre atores, seguindo um texto conhecido e reconhecível na tradição teatral, proporcionando interpretações que podem variar a cada apresentação, é teatro, sim. Hoje, pelo menos. 




Dou destaque à direção e performance de dois personagens dessa montagem: o Coro de Mulheres, composto de Cloto (Clotho) e Láquesis (Lachesis), e o Mensageiro. 




O Coro: 

Com sua intervenção recortada e contínua na peça, até em momentos inesperados, assegura dinâmica maior e facilita a identificação com o temor coletivo pelo destino das casas de Jasão e de Creonte. A Sórdida Cia. esclarece, num material de divulgação, que, apesar de receberem os nomes de duas das três moiras (também chamadas “parcas”), que controlam o destino da humanidade, as duas mulheres do Coro “não conseguem impedir que o pior aconteça”. Cloto (Marcela Gibo) é a que tece o fio, Láquesis (Heidi Monezzi), a que o enovela, e elas cantam ao vivo.



O Mensageiro:

Sabe-se como é difícil transpor com eficácia pro palco de hoje o discurso do típico personagem da tragédia antiga que recebe a função de relatar eventos que não devem ser encenados, como as mortes da princesa noiva de Jasão e do rei Creonte. O Mensageiro (Ricardo Aires) sustenta por sete minutos o relato ininterrupto com muita expressividade e iluminação em luz fria de grande efeito. Um trecho da sua fala final pode ser visto aqui e transcrevo o que equivale aos versos 1224 a 1230 da peça de Eurípides.


Eu, há muito tempo, penso que a alma humana não é mais do que uma sombra efêmera. E isso digo sem hesitar: aqueles que mais se consideram inteligentes, os portadores das grandes teorias, estes são os culpados pelas maiores estupidezes. A felicidade, Medeia, é um bem que não pertence a homem nenhum. A riqueza pode vir pra uns, a sorte pode vir pra outros, mas a felicidade, essa não é de ninguém.


Interessa também ressaltar o momento da mais explícita maternagem que acontece na peça de Eurípides e como ele é tratado pela Sórdida Cia. No trecho do versos 1236 a 1241, após o relato do mensageiro, Medeia diz que é preciso agir rápido e matar os filhos antes que os moradores da cidade de Corinto o façam com requintes de crueldade por vingança. Neste ponto, esta Medeia (Stephanie Degreas) volta aos versos 1021 a 1039, entremeando sua fala, transcrita abaixo, com um canto de ninar. Depois, volta aos versos 1242 a 1250.


Meus filhos, meus bebês. (CANTO) Vocês ainda têm esta cidade e uma casa e, quando nós nos separarmos, vocês vão ficar pra sempre aqui, sem mãe, enquanto eu sigo pro exílio sem nunca ter tido a felicidade de ver vocês crescerem. (CANTO) Eu nunca vou conhecer as noivas de vocês. Eu nunca vou cuidar do enxoval de vocês. Eu nunca vou acender as tochas dos casamentos de vocês. E eu tinha esperança. Eu pensei – imagina só – que vocês iam cuidar de mim quando eu ficasse velha, que vocês iam cobrir o meu corpo com as suas mãos cuidadosas quando eu morresse. O mundo inteiro ia ter inveja dos meus filhos lindos. (CANTO) Eu não sei o que será de mim quando eu me separar de vocês. A minha vida vai ser só dor e aflição. Vocês nunca mais vão me olhar com esses olhinhos porque vocês vão estar num outro lugar, num lugar novo... e estranho. (CANTO)


Esta peça é a primeira “Medeia” da temporada pandêmica encenada em plataforma on-line sem antes ter estado no palco, por isso, se denomina “Tragédia digital ao vivo”. E é curioso que procure seguir o protocolo do teatro presencial quando os atores agradecem os virtuais aplausos (que foram elogios via chat) com uma reverência ao telespectador.

(Renata Cazarini)






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