MATA TEU PAI (ON-LIVE)


Por ora, estou abordando peças antes encenadas nos palcos, comentadas no blog e reapresentadas agora na modalidade ON-LIVE, resumindo o teatro que se faz neste momento: ao vivo e on-line.


“Mata teu pai” é a peça da vez, que já comentamos aqui.



MATA TEU PAI (ON-LIVE)

Tema: Medeia, de Eurípides

Texto: Grace Passô

Direção: Inez Viana

Performance: Debora Lamm

Produção executiva: Junior Dantas

Direção de produção: Douglas Resende

Duração: 40 min.

Assistido em: 03.07.20

Site: youtube.com/sescsp (disponível temporariamente)



Divulgação: “Preciso que me escutem”, diz uma Medeia tomada pela febre, em sua primeira fala na peça “Mata teu pai”, da dramaturga Grace Passô, que volta ao mito da feiticeira grega (sic), trazendo-o aos dias atuais para discutir a condição da mulher na sociedade contemporânea. A Medeia interpretada por Debora Lamm no teatro e nesta adaptação para o #EmCasaComSesc vive em meio aos escombros de uma cidade por onde peregrina e encontra mulheres de diferentes localidades – síria, cubana, paulista, judia, haitiana – e vê a si na mesma condição de imigrante. Nessa jornada, Medeia percorre um caminho interior, onde decide que quem tem que morrer é Ele, fazendo uma alusão direta ao patriarcado.


COMENTÁRIO

Apesar da dramaturgia de Grace Passô prever Mulheres e Público como personagens, “Mata teu pai” é um espetáculo solo. Na sua estreia no palco em 2017, senhoras estudantes de teatro do Galpão Gamboa, no Rio de Janeiro, formavam o que se pode entender como o coro de mulheres da peça de Eurípides, só que menos ativo, mais testemunhal: algumas falas breves e participação em cenas afetivas.




Na versão ON-LIVE, o espetáculo se assume um solo mesmo e é inquestionável que Debora Lamm tem estatura suficiente para levar a peça sozinha. Seus minutos iniciais na “adaptação” para o projeto do Sesc, como diz o material de divulgação, são debaixo de uma ducha de piscina, área externa onde acontece toda a apresentação. Não se vê um interior de casa.




A “peça-partitura” em onze movimentos, como afirma Adélia Nicolete na apresentação do livro editado pela Cobogó, é quase toda preservada ON-LIVE, com redução de apenas 5 minutos em relação ao que ocorre no palco. Dois movimentos, intitulados “A amizade” e “As estrangeiras”, em que havia uma interação direta e forte entre a protagonista e um membro do coro, são cortados. Falas que seriam dirigidas ao coro são direcionadas às janelas altas do prédio vizinho, onde habitam as Mulheres.


Para que não se anule por completo a interlocução com o Público, que Medeia identifica como suas filhas, Debora Lamm adota o que já se pode considerar uma prática do teatro ON-LIVE: a aproximação junto à câmera. Nesta peça, esse procedimento é imprescindível.




A Medeia dessa dramaturgia cobra das filhas uma mudança na tradição da sua própria história. Não tem nada contra a nova esposa do pai das filhas. É nele que concentra a vingança. 


Olha pra mim! Muda essa história! Para de achar que a gente é um destino, muda essa história. Tem bala aí. E tem gatilho. Tem eu aqui, agonizante, tem meus peitos explodindo. De leite e de dor. Tem você. Mulher como eu. Filha. Tem bala aí. Tem ele que vai chegar. Tem teu braço que você vai levantar e apontar pra ele, tem tua mira. Tem essas palavras que estou dizendo há horas pra vocês e se precisar digo de novo, e de novo, e de novo. Muda essa história. Tem bala aí. E tem gatilho também. Mata.


Rompendo a chamada “quarta parede” do teatro convencional, a versão ON-LIVE introduz o áudio da participação de Débora Lamm numa ação da dramaturga Grace Passô no mesmo projeto do Sesc (Frequência 20.20), resgatando a memória da carreira da peça. Numa reflexão sobre o uso desse dispositivo, só consigo entender que seja uma forma sutil de contar o que acontece no palco do teatro entre protagonista e plateia e que é impossível realizar sem corpos compartilhando o mesmo espaço físico. É pena.

(Renata Cazarini)




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