BREVE CRÔNICA DE UMA PERDA [IR]REPARÁVEL: o massacre de Eldorado dos Carajás e Antígone



Difícil – ou impossível – contabilizar as perdas de oportunidades teatrais desde o início do isolamento social decorrente da pandemia da covid-19, em março de 2020. Nem sou das mais céticas e acho que houve até benesses, como ter acesso a produções fora do eixo Rio-São Paulo pelas plataformas digitais.


Mas não dá pra negar a falta que faz a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp), que ficou só online em 2021, com muitas reprises, privando a gente do “luxo” de ver montagens internacionais de outra forma geralmente inacessíveis aos brasileiros. 


Foi ali que eu vim a conhecer o trabalho do suíço-alemão Milo Rau, diretor artístico do teatro belga NTGent, e sobre o qual venho escrevendo há dois anos com prazer e ansiedade. Fazendo um teatro contemporâneo, Rau vai às fontes da Antiguidade com certa frequência. Escrevi sobre Orestes in Mosul sem nunca ter visto a peça, infelizmente. 


Escrevi sobre os paradigmas propostos por Rau para a tragédia teatral contemporânea, e fiz isso a partir da experiência do teatro presencial na MITsp. Escrevi sobre o seu teatro engajado, tema que tem me interessado mais que todos.


Mas agora, nesta ligeira crônica, a questão é o que vamos deixar de ver em razão da pandemia. Fui informada oficialmente de que a montagem de Antígone na Amazônia, sobre a qual escrevi e que vinha me deixando ansiosa, foi postergada por dois anos. 



Tom De Clercq, assessor de comunicação do NTGent, me respondeu estes dias: “It has been postponed for 2 years! The reason? Only 1 reason these days, sadly”.


Triste mesmo. E escrevo neste dia em que a peça estrearia no teatro belga e em que se recorda, mas não se comemora, o massacre de Eldorado dos Carajás, 25 anos atrás, quando 19 trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados na violenta repressão policial a uma marcha de protesto do MST na BR155, rodovia que ocupavam indo em direção a Belém do Pará. Alguns dos 67 sobreviventes participariam do coro da adaptação de Rau da peça de Sófocles, com a atriz Kay Sara como a protagonista Antígone.  

 

A peça do dramaturgo europeu retoma alegoricamente o mito grego confrontando as tradições indígenas e a devastação da floresta pela agropecuária no Brasil, além de denunciar as mortes anônimas, o que é tremendamente atual, vide os enterros em vala comum dos mortos pela covid-19. Rau criou uma Trilogia dos Mitos Antigos, que se completaria com “Antígone na Amazônia”.


O press kit original com mais informações pode ser baixado aqui.

Renata Cazarini

17 de abril de 2021

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