ANTÍGONA: ela está entre nós
ANTÍGONA: ela está entre nós
RESENHA
Tenho o livro desde o final do ano
passado, sim. Comprei na promoção que veio com um poster da atriz Andrea
Beltrão como Antígona e um marcador de página. Comecei a ler e tive de parar.
Agora peguei essas 148 páginas a sério em razão de o Canal Curta! estar
exibindo nestes dias o filme que resultou da montagem teatral.
Também, pra ser sincera, tinha
percebido que não era assim, digamos, tão urgente a leitura desse livro. O que
me importava mais quando o comprei era conhecer o processo dramatúrgico da
atriz e do encenador Amir Haddad com base na tradução da peça feita por Millôr
Fernandes lá em 1996 – e sobre isso há pouco na publicação.
Andrea, que aparece na ficha
catalográfica como autora da obra, despende apenas 22 páginas, daquelas com
muito espaço em branco, relatando as orientações de Amir. Por outro lado, interessa constatar a
sua franqueza, que revela a insegurança de uma atriz – consagrada pelo público e, afinal, premiada com o APCA –
diante do texto de Sófocles. Vale a pena também saber que o encenador deu o
formato didático à peça:
Amir
queria contar a história de Antígona percorrendo o caminho inverso, voltando
para o mito, narrando a trajetória dos seus antepassados. (Beltrão,
2023, p. 22)
Eu vi a peça em fevereiro de 2017, portanto, já sabia que o texto do solo retomava excertos da tradução numa ordenação
própria. A dramaturgia, estruturada em 46 cenas mais um prólogo e um epílogo, se
constitui desses excertos escolhidos aos quais são intercaladas informações mitológicas sobre a estirpe de Édipo, o que – é claro – leva a retomar outras tragédias
áticas, até mesmo As bacantes (Eurípides). A cena XXVI, intitulada “Dionísio”,
começa assim:
Dionísio.
Dionísio é o único grande deus grego que é filho de um deus e de uma mortal.
Como
Jesus Cristo. (Beltrão, 2023, p. 65)
E, após umas tantas linhas, acrescenta-se:
E, para honrar sua mãe, Dionísio desce ao mundo dos mortos e arranca sua mãe das mãos da morte, não para morar sobre a terra, mas para viver no Olimpo, pois, apesar de ser uma mortal, ela é a mãe de um deus.
Como Maria. (Beltrão, 2023, p. 66)
Mas a peça não é feita só de
ironias. É uma Antígona didática, tipo teatro-aula, traço preservado no documentário
dirigido por Maurício Farias, marido da atriz. O livro, que saiu pela Paz &
Terra, do grupo Record, traz algumas fotos em preto e branco, embora sem as
respectivas datas.
O maior valor, penso eu, está na publicação
de dramaturgia dupla: o texto do solo e a tradução de Millôr, o que deve ter
sido facilitado pelo fato de ambos serem da mesma editora. Nomes de
colaboradores importantes são mencionados, mas, para efeito de pesquisa, teria
sido melhor publicar a ficha técnica completa, incluindo a data da estreia e
uma foto dessa ocasião.
divulgação |
A preparação para o espetáculo solo foi um trabalho solitário na sala de ensaio – é o que Andrea conta. Meses e meses. Não há um número para associar a esse tempo. A jornada era das 15 às 19 horas. Isso ela diz. O grande desafio era descobrir o que fazer com as mãos (Beltrão, 2023, p. 28) até que uma echarpe de cor extravagante resolveu boa parte do problema:
Há três episódios curiosos, do
tipo que passam a constituir o anedotário em torno de uma produção artística: o
primeiro erro de fala em cena, a participação da veterana atriz Eva Wilma numa
das sessões, a viagem à Grécia como um breve relato à moda de Pasolini em Notas
para uma Oréstia africana (1975). Senti falta de entender como as personagens
que Andrea encena se configuraram para a atriz ao longo do processo.
A peça, que estreou em novembro de 2016 no Rio de Janeiro, passou por 20 diferentes teatros (Beltrão, 2023, p. 31) e atraiu mais de 40 mil espectadores (orelha). O teatro Poeirinha, do qual Andrea é sócia com Marieta Severo, recebeu Antígona na estreia e em outras temporadas. A peça virou filme, exibido na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em outubro de 2021. Eu vi e escrevi. Revi agora na telinha e perde a dimensão (risos!), mas melhor ver do que não ver: a peça está no filme; o processo está no filme.
ANTÍGONA 442 a.C.
Brasil, 2021, 70 min.
Direção de Maurício Farias
Com Andrea Beltrão
Dia 27: 22h30; 29: 10h30; 30: 16h15; 31: 22h30.
Ótima resenha! Deu vontade de ler o livro e assistir ao filme, que também está no Prime Video.
ResponderExcluir