MUSIC [novo Édipo no cinema]

MUSIC

Alemanha/França/Sérvia 2023
Direção e roteiro: Angela Schanelec
Produção: Kirill Krasovski e outros
Estreia: Berlin Film Festival – 21 fev. 2023
Circuito comercial: 8/3/2023 França; 4/5/2023 Alemanha
grego/inglês, 108 min.
Elenco:
Aliocha Schneider (Jon) / Édipo
Agathe Bonitzer (Iro) / Jocasta
Marisha Triantafyllidou (Merope) / Mérope
Argyris Xafis (Elias) / Pólibo
Theodore Vrachas (Lucian) / Laio
Frida Tarana (Phoebe, 6 years old) / filha de Jon e Iro (Antígone?)
Ninel Skrzypczyk (Phoebe, 14 years old)
Miriam Jakob (Marta)
Wolfgang Michael (Hugh)
Finn-Henry Reyels (Ezra) 

O filme Music estreou em 21 de fevereiro de 2023 no 73º Festival de Cinema de Berlim (16-26 fev.). Não tem como eu ter visto ainda, mas fiz uma pesquisa pela web, que me deu um trailer, um press kit e uma press conference gravada. Dá pra tirar algo daí e ver que Édipo, a partir do texto canônico de Sófocles, continua a mover corações, mesmo que este filme se apresente como “livremente inspirado no mito” (canto superior direito do cartaz). Vale lembrar de Incêndios (Denis Villeneuve, 2010).

Angela Schanelec (divulgação)

Numa entrevista, no material francês de divulgação da produtora Shellac, a diretora alemã explica como trabalha com a matéria da Antiguidade no cinema da atualidade.

      "Certamente comecei com Sófocles, mas os personagens que nasceram enquanto escrevia o roteiro são, como em meus outros filmes, seres humanos, não figuras míticas". 

Je suis certes partie de Sophocle, mais les personnages qui sont nés en écrivant le scénario sont, comme dans mes autres films, des êtres humains, pas des figures mythiques.

"O mito de Édipo me interessa menos por sua singularidade do que pelo que a história pode nos dizer hoje. Seleciono o que posso compartilhar com todos, a normalidade, que está ao alcance de todos. Todo o resto é fruto do inconsciente do personagem".

 Le mythe d’OEdipe m’intéresse moins pour sa singularité que pour ce que le récit peut nous dire aujourd’hui. J’en retire ce que je peux partager avec tout le monde, la normalité, ce qui est à la portée de tous. Tout le reste est le fruit de l’inconscient du personnage.

É com certo humor que vejo a chamada “Oedipe revu et corrigé par Angela Schanelec” (só aqui, em nenhum outo lugar). E a opção do filme é mesmo uma revisão do mito:

“Poupo Jon [Édipo] de toda a extensão de seus crimes para que ele não precise arrancar os olhos, como Édipo. A cegueira ganha Jon gradualmente. E a morte de Jocasta não o leva a viver na floresta, mas com a filha, entre os humanos”.

J’épargne à Jon toute l’étendue de ses crimes pour qu’il n’ait pas à se crever les yeux, comme OEdipe. La cécité gagne Jon progressivement. Et la mort de Jocaste ne le conduit pas à vivre dans la forêt, mais avec sa fille, parmi les humains.


Aliocha Schneider como Jon

Spoiler !!!

Este Édipo não chega a saber nada sobre as relações consanguíneas tortuosas de sua vida. Ele encara o destino de ficar cego com a nova habilidade de cantar. "A música permite que ele continue a viver", diz a diretora, que fez extensa pesquisa até chegar ao compositor canadense Doug Tielli. Ah, sim, daí o título. A música, em inglês, pode ser ouvida no minuto 7:50 do vídeo da coletiva. Aqui você vê o único trailer divulgado.

Agathe Bonitzer (Iro), Doug Tielli, Angela Schanelec, Aliocha Schneider (Jon)

Os críticos receberam bem o filme, alertando, contudo, para as elipses da narrativa, características da diretora, que venceu em 2019 o Urso de Prata em Berlim pela direção de "Eu estava em casa, mas..." Este ano, ela concorre novamente. O júri é presidido pela atriz Kristen Stewart.

Crítica The Hollywood Reporter

“O último filme de Schanelec, Music, pode ser ainda mais intrigante para o público, embora esteja repleto de alguns dos floreios característicos da diretora: tomadas longas lindamente compostas; uma narrativa elíptica que avança no tempo sem aviso prévio; performances silenciosamente contidas que se concentram mais no gesto do que no diálogo; e um uso cirurgicamente preciso de som e música”.

Schanelec’s latest film, Music, may prove even more puzzling for audiences, although it’s filled with some of the director’s signature flourishes: beautifully composed long shots; an elliptical narrative that jumps ahead in time without warning; quietly contained performances that focus more on gesture than dialogue; and a surgically precise use of sound and music.


“Se há uma chave para mapear o filme de Schanelec em relação ao seu predecessor literário, é perceber que aqui o tempo passa, os bebês se transformam em crianças, mas os protagonistas não envelhecem. Um homem pode parecer ter aproximadamente a mesma idade de seu filho adulto. Exceto pela aquisição de óculos para compensar sua visão deficiente, Jon parece o mesmo muitos anos depois, quando, no afastamento mais radical de Schanelec do texto de Sófocles, ao contrário de sua contraparte antiga, ele recebe uma nova vida após a catástrofe”.

If there is one key to mapping Schanelec’s film onto its textual forbear, it’s to realize that here, time passes, babies grow into children, but the principals do not age. A man can appear to be roughly the same age as his adult son. Bar the acquisition of glasses to offset his failing eyesight, Jon looks the same even many years later, when, in Schanelec’s most radical departure from Sophocles’ text, unlike his ancient counterpart, he is allowed a new life after catastrophe. 

Agathe Bonitzer como Iro

Spoiler !!!

Os atores principais, Agathe Bonitzer e Aliocha Schneider, são franceses e jovens. Ela tem 33, ele, 29 anos. Esse aspecto visual parece ser um dificultador na apreensão da relação incestuosa entre as personagens. Uma repórter sentiu que era preciso perguntar à diretora se Iro é mãe de Jon. Sim, ela é. 

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