A DIVINA FARSA, com Cia. LaMínima 2


A DIVINA FARSA, com Cia. LaMínima
Concepção: LaMínima – Fernando Sampaio, Fernando Paz e Filipe Bregantim
Dramaturgia: Newton Moreno, Alessandro Toller e LaMínima
Direção artística: Sandra Corveloni
Ilustrações do programa: Laerte
Elenco: Alexandre Roit (Dioniso), Fernando Paz (Zeuz/Anacleto), Fernando Sampaio (Apolo), Filipe Bregantim (Ares/Aristeu), Marina Esteves (Atena/Dandara), Mônica Augusto (Hera/Raimunda), Rebeca Jamir (Afrodite/Estupenda)
Direção musical e música original: Marcelo Pellegrini
Desenho de luz: Aline Santini
Cenografia: PalhAssada Ateliê
Figurino: Christiane Galvan
Visagismo: Carol Badra, Leopoldo Pacheco
Adereços: Armando Junior, PalhAssada Ateliê
Temporada: 1º a 26 fev 2023
Duração: 80 min.
Local: Itaú Cultural – São Paulo
Ingressos gratuitos, retirada antecipada
Assistido em 2 fev. 2023

Sinopse
Dioniso chega ao Olimpo para reivindicar a atenção de seu pai, Zeus. Filho bastardo, encontra-se no Panteão com deusas e deuses no momento em que deliberam quem descerá à Terra para acudir a humanidade, mais uma vez à beira de uma crise. Apolo é escolhido e encaminhado para o circo mambembe “Olimpo”, o território do deus do teatro. Com seus disfarces, Dioniso enreda a trupe em estratagemas para mostrar que conhece mais a natureza dos humanos do que seu meu-irmão, Apolo. Enquanto Dioniso quer criar conflitos e alimentar o caos, surge a personagem Dandara, que carrega a novidade, a criança, a curiosidade, o questionamento, sem se deixar seduzir pelos encantos do deus. Dandara devolve para o circo a noção de questionar quem é aquele ser, desvenda a farsa e traz a sua herança: são outros valores, com muita poesia, dança, música e reflexão, além do fato de reconhecer que a mitologia grega faz parte da tradição europeia, branca colonialista. (Divulgação)

    Foto de Melissa Guimarães

Nota Bene
A ideia do espetáculo surgiu em 2019, a partir de uma sinopse: “um espetáculo que pretende ser uma reunião de deuses para discutir por que a humanidade deu errado”. Um dos primeiros nomes dados à peça seria “Com Dioniso não se brinca”. Não à toa, os dois deuses, Apolo e Dioniso, vão parar no circo “Olimpo”. Transitando entre o cômico e o poético, “A divina farsa” brinca o tempo todo com a ideia de que, no circo, cabe todo mundo, todo tipo de gente, e com a gangorra entre se pensar divino e se pensar humano, quem é deus e quem não é, afinal, o divino está em cada um.
O espetáculo integra o projeto “La Máxima história do LaMínima – 25 anos”, contemplado com R$ 743.933,69 pela 37ª edição do edital de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Veja aqui o resultado do edital de 2021. Em sala, é distribuído o programa da peça, com ilustrações exclusivas feitas pela cartunista Laerte, que você pode ver abaixo.
Zeus
Dioniso
Afrodite
        
Hera
Apolo
Ares

Atena


Comentário
Escave na memória, quem tiver um pouco mais de idade, e vai se lembrar de experiências no circo. Tinha bicho preso, é verdade e eu lamento, mas também tinha teatro popular, além do malabarismo e da palhaçaria. Tinha pipoca e algodão-doce e maçã-do-amor e balão e cata-vento... Venho do interior paulista, onde tive prazer com tudo isso.
Agora, na capital, quando a gente chega no teatro de 224 lugares do Itaú Cultural na avenida Paulista para ver “A divina farsa”, da Cia. LaMínima (@laminima_circo), não recebe nenhum agrado infantil desses – e até poderia! Ganha, por outro lado, um programa de 32 páginas ilustradas pela cartunista @Laertegenial, zombando dos deuses do Olimpo. Cai bem o humor dos desenhos com a dramaturgia farsesca sobre o divino e o humano buscando sempre, desesperadamente, pela inexistente harmonia celestial.
Tem que chegar de coração aberto. É um espetáculo mambembe – entenda bem:  a concepção é de um espetáculo mambembe instalado na prestigiada avenida Paulista. A trama é banal, o cenário é improvisado (observe as nuvens do Olimpo), os adereços são rústicos (observe o globo-capacete), o figurino é como se fosse fantasia barata, só que não: veja dois designs.


Diz a Cia. LaMínima, celebrando 25 anos: “Cada nova montagem se soma a um repertório de linguagem popular para falar sobre o ser humano e o cotidiano por meio da comicidade física e da figura atemporal do palhaço” (programa, p. 2). Farsa é uma pequena peça cômica popular, de concepção simples e de ação trivial ou burlesca, em que predominam gracejos, situações ridículas (Dicionário Eletrônico Houaiss).
Não é pra ser o Cirque du Soleil. E não é. É circo brasileiro. Tem equilibrismo. Tem acrobacia. Tem dança. Tem música ao vivo. A artista pernambucana Rebeca Jamir (@rebecajamir), convidada da trupe, compôs durante o processo letra e música da canção “Apolo Amor”, que ela canta tocando acordeão. Um momento ótimo do espetáculo. A letra, gentilmente cedida pela artista para o blog:

Quem és tu
Moço sem véu
Do céu quebrado
Vem sem casa e anel
Futuro ou passado
Chega e faz escarcéu
E eu tiro o chapéu
Só pra te ver
O amor é uma fogueira
Queima a noite inteira
Pro sol nascer
Me toca sou tua amada
Meu fogo e risada
Vem amanhecer
***
Na saga que é o amor
No risco que é o amor
No sonho que é o amor
Tentação
Eu quero de tudo agora
Paixão não tem hora
Prazer, devoção!
Me molha com tua graça
Sem regra nem farsa
Vem meu coração


Registro de 02/02/2023
Rá, rá! Não se trata de um “Hino a Apolo” (veja 1 e 2). Melhor pensar na imagem invertida no espelho. Em “A divina farsa”, o Olimpo grego se espelha no circo brasileiro. Apolo é sempre Apolo, deus que causa frisson, e Dioniso, apesar dos disfarces, é sempre Dioniso, o deus da maravilhosa balbúrdia. As demais divindades têm contrapartes na esfera terrena: Zeus é Anacleto Olímpico, dono do circo Olimpo; Hera é Raimunda, esposa de Anacleto e dona do circo; Ares é Aristeu, filho dos donos do circo; Afrodite é Estupenda, namorada de Aristeu seduzida por Apolo, mas alérgica a compromisso; Atena é Dandara, artista do circo que evoca a ancestralidade africana anticolonialista.

Registro de 02/02/202

É deboche, mas não é besteira. Tem piada fácil combinada com informação mitológica. Quando a trupe opta por um ator franzino para fazer Zeus e Anacleto, diz muito, dispara o contraditório e a plateia se dá conta e ri. O diminuto porte do pai dos deuses e dono do circo (no imaginário coletivo, eles não são portentosos e autoritários?) ridiculariza o patriarcado. Que herança estética é essa que nos legou a antiga Grécia, idealizada na figura do loiro Apolo? Ridículo! Opressão e subalternidade são contestadas sob a lona desse circo. O picadeiro do Olimpo põe em cena o apolíneo e o dionisíaco, tema nada novo. (SPOILER) Tenho que dizer que Dioniso conduz a ação cênica, mas é Apolo que tem fé na gente brasileira. 
Evoé, Dioniso! Axé, Apolo!

Nota de rodapé
Durante a pandemia da covid-19, assisti ao fantástico espetáculo “Ordinários”, da LaMínima. Você também pode ver aqui.








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