THE SUPPLIANTS PROJECT: UKRAINE

Oscar Isaac como rei Pelasgo, de Argos.

A situação dos despossuídos e desterrados que suplicam por acolhida e abrigo, enredo da peça de Ésquilo "As suplicantes", sustenta a leitura dramática da versão em inglês de 45 minutos promovida pela companhia norte-americana Theater of War Productions (TOWP) em 16 de julho de 2022. Mas não só a condição dos refugiados, também o dilema de entrar num conflito bélico dá forma à angústia que emana da força retórica e dramática do texto clássico grego.

A isso some-se a participação de ucranianos constituindo o Coro das danaides, filhas de Dânao, que chegam a Argos para suplicar ao rei Pelasgo por asilo, portando ramos com lã branca.

O vídeo integral agora está disponível aqui. Em inglês, com legendas.

Coro de cidadãos ucranianos

Oriundas do estuário do Nilo, são fugitivas da "terra de Zeus contígua à Síria", escapando de núpcias indesejadas com os filhos do tio Egito, irmão de Dânao. Os argivos e as danaides têm como ancestral comum Io. Sobre o mito das danaides, leia mais aqui.

David Strathairn como Dânao

O pai dá orientações sobre como se porta um suplicante. Um excerto (v. 190-196), na tradução de JAA Torrano (2009, p. 267):

Altar pode mais que torre, infrágil escudo.
Eia, vinde o mais rápido, tendo solenes
súplices ornamentos de Zeus Reverente
coroados de alva lã na mão de bom nome,
respondei falas reverentes, ternas, úteis,
aos hóspedes, como convém a forasteiros,
a falar claro deste exílio limpo de sangue.

Escolher entre a guerra e a recusa de ajuda a suplicantes é o embate de Pelasgo, que convence o povo argivo a acolher as suplicantes, mas logo se avizinha a nau inimiga.

O arauto/mensageiro dos filhos de Egito não poupa ameaças e trava um embate verbal com o rei Pelasgo, conforme o excerto (v. 911-918) na tradução de Torrano (2009, p. 310):

REI
Ó tu, que fazes? Com que intenção
desonras esta terra de varões pelasgos?
Ou pensas vir a uma cidade de mulheres?
Se és peregrino, debochas demais os gregos
e em grande erro não corrigiste o espírito.

ARAUTO
Que erro cometi por faltar à justiça?

R: Primeiro, não sabes ser hóspede.
A: Como não? O que perdi achei e levo.

Willem Dafoe como Arauto dos egipcíades

Paira no ar a ameaça da guerra, mas esta não é uma peça sobre o conflito bélico, ainda que usada nesta ocasião para alertar sobre a violência contra a Ucrânia, que enfrenta a agressão militar russa desde a invasão de 24 de fevereiro de 2022, com saldo de mais de cinco mil civis mortos (leia aqui) e a movimentação forçada de ucranianos, incluindo crianças, para território russo (leia aqui).

Na apresentação da TOWP, entre os integrantes do Coro de danaides estava a atriz de 12 anos Kira Meshcherska, que também fez um depoimento comovente sobre as perdas pessoais decorrentes do conflito.


Kira relatou como estão todos abalados e temerosos. Chorou e fez chorar. Na terceira etapa da programação, a audiência, em diferentes partes do mundo, manifestou sua solidariedade com a Ucrânia e comentou o impacto da peça.

Fica, então, o registro do muito que se pode fazer ainda hoje com o teatro antigo. Mobilizar milhares por uma causa. Mais sobre esse projeto, eu já escrevi aqui.

Renata Cazarini



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