A ZELIA DE ALMEIDA CARDOSO (já faz 1 ano)
A ZELIA DE ALMEIDA CARDOSO
Nenhuma despedida é fácil.
Quando a latinista Zelia Ladeira Veras de
Almeida Cardoso, professora sênior da Universidade de São Paulo, faleceu, em 10
de julho de 2021, mexeu com a plateia brasileira que assistia naquela tarde de
sábado à transmissão ao vivo pela internet de “As rãs”, comédia de Aristófanes,
direto do Teatro de Epidauro, na Grécia. Houve quem julgasse não haver mais motivos
para rir. As professoras Adriane da Silva Duarte (USP) e Renata Cazarini de
Freitas (UFF) continuaram a ver as imagens na tela da TV, mas, agora, já desatentas,
atordoadas com a notícia da morte, recebida pelo celular.
Não fazia muito, Zelia tinha
participado vivamente da celebração dos 50 anos do Programa de Pós-graduação de
Letras Clássicas da USP, da qual fora a primeira matriculada e a primeira a
defender uma tese, intitulada “A construção de As troianas de Sêneca”, em
1976. Em 1984, defendeu tese de Livre Docência sob o título “As elegias de
Propércio: temática e composição”.
Na live de 24 de junho de 2021, Zelia
lembrou-se da opressão política da ditadura, que levou ao seu afastamento, em
1970, como professora do Colégio São Paulo sob uma denúncia de subversão, com
outros dez docentes da instituição. Decorreu dessa ação autoritária a
oportunidade de comissionamento na USP, onde Zelia exerceu a docência de 1973 a
1998, quando se aposentou como titular de Língua e Literatura Latina. Atuando
ainda no PPG de Letras Clássicas, concluiu em 2012 sua última orientação de
doutoramento, a do professor de Latim Marcelo Vieira Fernandes (USP).
São muitos os nomes orientados pela
longeva magistra, que faleceu logo após ter completado 87 anos. Ela
mesma diz no seu currículo Lattes, atualizado até 22 de janeiro de 2021, ter
orientado dezenas de mestrados e doutorados, bem como ter participado de numerosos
eventos científicos e publicado livros, capítulos e artigos em periódicos
especializados e anais de congressos.
É fato que Zelia continuava muito ativa
no universo dos estudos clássicos. Participara em 8 de abril de 2021 de uma
sessão de comunicações no XXVII Seminário de Estudos Clássicos da Universidade
Federal Fluminense (SEC-UFF), tendo generosamente compartilhado a mesa com
graduandas de latim. A comunicação “Representações da violência nas tragédias
de Sêneca” vem editada neste livro.
O
teatro da Roma antiga, de Plauto e de Sêneca, foi para ela um campo de pesquisa
profícuo. Publicou manuais sobre a língua latina, a literatura antiga e sobre
as tragédias de Sêneca, além de traduções de algumas peças. As troianas de
Sêneca foi o poema dramático sobre o qual se debruçou com mais interesse: a
primeira edição, bilíngue, saiu em 1997 (Editora Hucitec) e nova publicação, em
2014 (WMF Martins Fontes). A última publicação durante sua vida foi a tradução,
em edição bilíngue, da Otávia (Editora Madamu), do pseudo-Sêneca, em
abril de 2021.
No campo institucional, a latinista foi
também fundamental, tendo participado, por exemplo, da criação da Sociedade
Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC), em 13 de julho de 1985, da qual foi
sócia-fundadora e presidenta no biênio 1995-1997. Na nota de pesar em que
decretou luto oficial, a SBEC fala de Zelia como “colaboradora incansável e
entusiasta dos Estudos Clássicos no Brasil”. A USP, numa nota de falecimento
assinada pelo professor de Latim Marcos Martinho dos Santos, orientado tanto no
mestrado como no doutorado pela magistra, afirma que ela “desempenhou
todos os papéis, na academia e na família, por toda a vida, com amável presença
e sábia tranquilidade de espírito”.
Com Adriane da Silva Duarte, concebeu,
organizou e coordenou até sua morte o Grupo de Pesquisa “Estudos sobre o Teatro
Antigo” (GTA), certificado pela USP e pelo CNPq. Na live sobre os 50 anos do PPG de
Letras Clássicas, sendo mediadora, Adriane elogiou Zelia como “a imagem que a
gente quer para o nosso programa”. Sua intensa atividade acadêmica se
completava com a frequência às salas de teatro, mesmo com a saúde fragilizada.
Fez o único levantamento de que sem tem notícia de peças da Antiguidade
encenadas em São Paulo desde os anos 1990.
O falecimento dessa referência para os
estudos clássicos no Brasil motivou homenagens em diferentes modalidades. O
grupo de pesquisa GTA realizou uma leitura dramática da Otávia em 10 de
agosto de 2021, quando se completava um mês de sua morte. A Universidade
Federal do Amazonas (UFAM) organizou uma sessão especial do IX Colóquio de
Estudos Clássicos, em 30 de agosto de 2021, sob o título “Da elegia ao teatro:
uma homenagem a Zelia de Almeida Cardoso”. A revista Calíope – Presença
Clássica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicou um
suplemento digital (2021.1) com cinco artigos dela editados anteriormente na
publicação. Por fim, mas não menos importante, este livro, sob os auspícios da
Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (Faperj), rende suas homenagens à mulher brasileira
latinista que foi Zelia de Almeida Cardoso (8/7/1934-10/7/2021).
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