AS MULHERES E ARISTÓFANES E MONTAGEM DE TESMOFORIANTES [COLABORAÇÃO]

 

Ana Maria César Pompeu*

 

Esther Góes e Ariel Borghi, diretores e atores da companhia de teatro Ensaio Geral Produções Artísticas, com os trabalhos registrados no site ciaensaiogeral.com, manifestaram interesse em montar As Tesmoforiantes de Aristófanes, na minha tradução de 2015, com o diretor Marcio Aurélio. 

 

Eis o que Esther Góes diz acerca da live e da montagem de Tesmoforiantes:

 

Sobre a live e a montagem das Tesmoforiantes


Nossa live As Mulheres e Aristófanes foi criada para o programa #EmCasaComSesc, a partir de alguns textos das três peças “femininas” de Aristófanes.


A live é um exercício de conteúdo e linguagem, e um ensaio antecipado para a montagem de Tesmoforiantes, do autor, na tradução de Ana Maria Pompeu, que nos preparamos para realizar no próximo ano, reunindo a mesma equipe e muitos outros profissionais.


Para mim, é encantador perceber como Aristófanes, em seu contato com o tema, se propõe sempre a discutir o assunto, dizer tudo que sabe a respeito, levantar dúvidas, contrapor questões e... jamais resolver!  Também gosto de suas mulheres aguerridas, que pretendem o poder, não aceitam como verdade o segundo plano nem a submissão. Aprendem rápido, usam suas ferramentas, são mais espertas do que vítimas. Interessante assistir a um homem (o autor) observando: o sorriso de Aristófanes aparece atrás de cada fala.


Por enquanto é só. Teremos muito a revelar, na montagem das Tesmoforiantes.


(Esther Góes – por e-mail em 01/10/2020)

 


No dia 27 de setembro, domingo, o grupo de teatro participou da live As Mulheres e Aristófanes para o Programa #EmCasaComSesc, transmitido pelo site youtube.com/sescsp, ainda disponível.

 

Esther Góes e Ariel Borghi dividiram o palco de casa, tendo uma garrafa de vinho e duas taças na mesa, vestindo roupas atuais e comuns, e recitaram trechos selecionados da trilogia feminina de Aristófanes: Lisístrata, Tesmoforiantes e Assembleia de Mulheres

 

Houve alguma adaptação, mas o sentido dos trechos foi transmitido integralmente. Abaixo transcrevo os trechos das três comédias femininas de Aristófanes, nas traduções utilizadas para a encenação: Lisístrata e Tesmoforiantes, na tradução de Ana Maria César Pompeu, e Assembleia de Mulheres, na tradução de Mário da Gama Kury:

 

Lisístrata vv.194-238

 

Lisístrata/Esther:

Eu te direi, por Zeus, se queres, 

tendo colocado uma grande taça negra invertida, 

degolando como uma ovelha um pote de vinho de Tasos 

juremos não derramar água na taça. [...]

Tendo colocado esta aqui, segura o varrão para mim. 

Senhora Persuasão e taça da amizade, 

a vítima recebe favorável às mulheres. [...]

Tocai todas na taça, ó Lampito; 

e que uma em vosso nome repita o que eu disser. 

E vós jurareis estas coisas e as sancionareis: 

Não há nenhum homem, amante ou marido- [,,,]

que irá se aproximar de mim com tesão. Repete. [...]

Em casa e casta passarei os dias-  [...]

com uma túnica amarela e embelezada- [...]

para que o esposo mais se queime se desejos por mim, [...]

E jamais de bom grado cederei ao meu esposo. [...]

E se, eu não consentindo, ele me obrigar à força- [...]

de mau grado irei me entregar e não me moverei. [...]

Não levantarei para o teto as sandálias pérsicas.  [...]

Não me agacharei como a leoa na faca de queijo. [...]

Estas coisas fixadas possamos beber desta taça. [...]

Mas se eu as violar, a taça se encha de água. [...]

Vós todas jurais isto? [...]

Vamos, que eu consagre esta... 

 

Tesmoforiantes, vv. 466-475

 

Parente de Eurípides (disfarçado de mulher)/Ariel:

O fato de vocês, mulheres, estarem tão irritadas 

com Eurípides, depois de ouvirem estas maldades,

não é surpresa, nem de estarem fervendo de ódio.

Quanto a mim, - assim eu possa usufruir dos filhos –

no entanto é preciso que nos expliquemos entre nós; 

pois estamos sós e nenhuma palavra sairá daqui.

O que temos para acusar aquele sujeito

e suportarmos dificilmente, se duas ou três

maldades disse sabendo bem que fazemos inúmeras? 

 

Lisístrata, vv. 509-529

 

Lisístrata/Esther:

Mas nós vos percebíamos bem, e, muitas vezes, em casa estando, 

ouvíamos que vós deliberáveis mal sobre um importante assunto;

então sofrendo por dentro nós vos perguntávamos sorrindo 

“o que se decidiu inscrever na estela acerca do tratado 

na assembleia de hoje?” “E o que te importa isto?” Dizia meu marido; 

“não te calarás?” E eu me calava. [...]

Por isso eu me calava. 

E uma e outra vez nos informávamos de uma pior deliberação vossa; 

então perguntávamos: “como vós resolvestes isto, ó meu marido, tão tolamente?” 

E ele tendo me olhado com raiva logo dizia que se eu não tecesse a trama, 

lamentaria a cabeça muito tempo; “e a guerra será preocupação dos homens”.

 

Tesmoforiantes, vv. 476-490

 

Parente de Eurípides (disfarçado de mulher)/Ariel:

Pois eu mesma, em primeiro lugar, para não falar de outra,

sei bem das minhas maldades; aquela então

a mais terrível, quando casada há três dias,

e o meu marido dormia junto a mim. Eu tinha um amante,

que tinha me desflorado aos sete anos. 

Este pelo desejo tinha vindo roçar à minha porta.

Logo compreendi; então desci da cama devagarinho.

Mas meu marido perguntou: "Para onde desces? Aonde?"

"Sinto cólica na barriga, ó marido, estou mal;

então vou ao banheiro." "Então vai". 

Daí ele esmagava grãos de zimbro, endro e sálvia.

Eu joguei água sobre os ferrolhos

e fui encontrar o amante, depois apoiei-me

perto do altar de Agieu, curvando-me encostada ao loureiro.

Isto jamais Eurípides disse, vejam vocês! 

 

Lisístrata, vv. 161-164

 

Lisístrata/Esther:

Mas se o doce Eros com a Ciprígena Afrodite 

desejo amoroso sobre nossos ventres e coxas soprar, 

e em seguida provocar uma rigidez de prazer e ereções em nossos maridos, 

creio que um dia nós seremos chamadas Liberalutas entre os gregos.

 

Tesmoforiantes, vv. 491-501

 

Parente de Eurípides (disfarçado de mulher)/Ariel:

nem que trepamos com escravos

e muleiros, quando não temos outro, ele não disse;

quando em trepadas mais longas com um qualquer

à noite, pela manhã mastigamos alho,

para que, pelo cheiro, o marido vindo da guarda, 

não suspeite de que agimos mal. Isto, vês,

ele jamais disse. E se insulta Fedra,

o que tem a ver conosco? Ele contou aquele caso

que uma mulher mostrando o vestido ao marido

para vê-la sob a luz do dia, fez escapar

o amante escondido? Não disse isso também.

 

Lisístrata, vv. 574-585

 

Lisístrata/Esther: 

Primeiro seria preciso, como com a lã bruta, em um banho 

lavar a gordura da cidade, sobre um leito 

expulsar sob golpes de varas os pelos ruins e abandonar os duros, 

e estes que se amontoam e formam tufos 

sobre os cargos cardá-los um a um e arrancar-lhes as cabeças; 

em seguida cardar em um cesto a boa vontade comum, todos 

misturando; os metecos, algum estrangeiro que seja vosso amigo 

e alguém que tenha dívida com o tesouro, misturá-los também,  

e, por Zeus, as cidades, quantas desta terra são colônias, 

distinguir que elas são para nós como novelos caídos ao chão 

cada um por si; em seguida o fio de todos estes tendo tomado, 

trazê-los aqui e reuni-los em um todo, e depois de formar 

um novelo grande, dele então confeccionar uma manta para o povo. 

 

Tesmoforiantes, vv. 502-519

 

Parente de Eurípides (disfarçado de mulher)/Ariel:

E eu sei de uma outra mulher que dizia ter dores

há dez dias, enquanto comprava um filho.

E o marido a dar voltas para comprar algo para apressar o parto;

mas uma velha o trouxe, o filho, numa panela, 

e, para que ele não gritasse, pôs nele uma chupeta de cera.

Então quando a velha que o trouxe fez sinal, logo ela grita:

"afasta-te, afasta-te, pois me parece, ó marido,

que já vou parir". É que a criança chutou o ventre da panela.

E ele se pôs a correr alegre, e ela arrancou a cera

da boca do menino, que começou a gritar.

Logo a velha impura, que trazia a criança;

corre sorrindo para o marido e diz:

"um leão, um leão nasceu para ti, é a tua cara,

além de todas as outras coisas, até o pintinho 

é semelhante ao teu, redondo como uma pinha".

Não fazemos estas maldades? Sim, por Ártemis,

fazemos. E depois nos irritamos contra Eurípides,

nada sofremos mais do que cometemos.

 

Tesmoforiantes, vv. 785-800

 

CORO/Esther:

Nós então tendo avançado elogiaremos a nós mesmas. 

Na verdade, todo tipo fala em público muito mal da raça feminina,

que somos todo o mal para os homens e que de nós vem tudo:

discórdias, querelas, rebeliões terríveis, tristeza, guerra. Vejamos,

se somos um mal, por que se casam conosco, se é que somos mesmo mal,

e não nos deixam sair nem ser apanhadas com a cabeça para fora, 

mas querem vigiar com tão demasiado cuidado o mal?

E se a pobre mulher sai a algum lugar, e se a descobrem fora,

são tomados de loucura, vocês que deveriam libar e se alegrar, se é verdade

ao descobrirem que o mal sumiu de casa e não o encontram lá dentro.

E se dormimos na casa de outros por brincarmos e estamos cansadas, 

todo tipo procura o mal dando voltas em torno da cama;

E se nos debruçarmos à janela, querem contemplar o mal,

e se, por vergonha, retrocedemos, muito mais o tipo deseja

ver de novo o mal debruçado. Assim somos evidentemente

muito melhores que vocês. Pode-se ter a prova. 

 

 

Assembleia de Mulheres, vv. 588-631

 

Valentina/Esther (dirigindo-se aos espectadores):

Que ninguém me contradiga nem me aparteie antes de conhecer minhas ideias todas e ouvir as minhas explicações. Para começar, todos terão de entregar seus bens ao Governo, para que todos tenham partes iguais desses bens e vivam deles; não é inevitável que uns sejam ricos e outros não tenham onde cair mortos; que uns tenham a seu serviço uma porção de escravos e outros não sejam sequer donos de si próprios! Instituiremos uma só maneira de viver, igual para todos! [...]

 

Ariel:

A terra será de todos, bem como o dinheiro e tudo que atualmente pertence a cada um. Com base num fundo comum, constituído por todos os bens, nós, as mulheres, sustentaremos vocês, administrando com economia e pensando em tudo.

 

Esther:

Ninguém fará mais nada por necessidade, pois tudo pertencerá a todos: comida, bebida, roupa, etc. Que vantagem haverá em não trazer tudo para o fundo comum? Diga, se for capaz!

 

Ariel:

As mulheres serão comuns a todos os homens; cada um poderá ir com qualquer uma e ter filhos com quem quiser. [...]

Os feios tomarão conta dos bonitões e as mulheres não poderão ir com os altos, morenos e simpáticos antes de ter resolvido o problema dos baixinhos e mal acabados.[...]

 

Esther: 

As feias e mal-acabadas ficarão ao lado da mais bonitas, e quem quiser as bonitonas terá que satisfazer primeiro as feiosas.

 

Ariel e Esther:

É um dispositivo muito democrático. 

 

Referências Bibliográficas:

 

ARISTÓFANES. A Revolução das mulheres. A greve do sexo. Tradução de Mário da Gama Kury. Editora Brasiliense, 1988.

______. Lisístrata. Tradução de Ana Maria César Pompeu. São Paulo: Editorial Cone Sul, 1998/São Paulo: Hedra, 2010.

______. Tesmoforiantes. Tradução, apresentação e notas de Ana Maria César Pompeu. São Paulo: Via Leitura, 2015.


 



*Ana Maria César Pompeu é professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), atuando
nos programas de pós-graduação em Letras e no de Estudos da Tradução. É líder do Núcleo de Cultura
Clássica, grupo de pesquisa credenciado junto ao CNPq. É presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (Sbec) no biênio 2020-2021. Doutora em Letras Clássicas pela Universidade de São Paulo (2004), com estágio pós-doutoral na Universidade de Coimbra (2010). Tradutora de Aristófanes, tem publicadas, entre outras obras, as peças Lisístrata (2010), Tesmoforiantes (2015) e Cavaleiros (2017).


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