ANOS DE CHUMBO – MULHERES REBELDES NO TEATRO

Três mulheres na linha de frente: 
Ruth Escobar (esq.), Cacilda Becker (centro), Maria Della Costa.
Foto de Derly Marques

Na página 110 do livro Anos de chumbo: o teatro brasileiro na cena de 1968, de A. P. Quartim de Moraes (Edições Sesc São Paulo, 2018), o relato de um fato que eu desconhecia me fez parar a leitura e produzir esta nota. 


Em 7 de junho de 1968, na sala menor do Teatro Ruth Escobar, a atriz Cacilda Becker, presidente do Conselho Literário da Comissão Estadual de Teatro de São Paulo, depois de ter tentado nos órgãos de censura a liberação total do espetáculo “1ª Feira Paulista de Opinião: o que pensa você do Brasil de hoje?”, concebido e dirigido por Augusto Boal, declara:


A representação na íntegra da 1ª Feira Paulista de Opinião é um ato de rebeldia e de desobediência civil. Trata-se de um protesto definitivo dos homens livres de teatro contra a censura em Brasília, que fez 71 cortes nas seis peças. Não aceitamos mais a censura centralizada que tolhe nossas ações e impede nosso trabalho.


Relata o autor do livro e comprova a foto de Derly Marques, publicada logo acima, que estavam à frente desse ato de rebeldia três mulheres: ao lado de Cacilda Becker, Ruth Escobar e Maria Della Costa, ambas proprietárias de espaços teatrais. Outros artistas, que participam da representação integral à revelia da censura, são identificáveis. Ao lado de Ruth Escobar, com o braço erguido e efusivo, o ator Sandro Polloni, marido de Maria Della Costa. Ao lado da atriz, Caetano Veloso.



Por outro lado, eram todos homens os dramaturgos envolvidos no projeto: Augusto Boal (A lua muito pequena e a caminhada perigosa), Bráulio Pedroso (É tua história contada?), Gianfrancesco Guarnieri (Animália), Jorge Andrade (A receita), Lauro César Muniz (O líder) e Plínio Marcos (Verde que te quero verde). Também eram todos homens os compositores das canções que entremeavam as peças curtas: Ary Toledo (ME.E.U.U. Brasil), Caetano Veloso (Enquanto seu Lobo não vem), Edu Lobo (Tema), Gilberto Gil (Miserere) e Sérgio Ricardo (Espiral).





Em 8 de junho de 1968, o espetáculo é proibido e o Teatro Ruth Escobar parcialmente ocupado. Na sala maior, continua em cartaz Roda Viva, de Chico Buarque. O elenco da 1ª Feira Paulista de Opinião vai até o Teatro Maria Della Costa, onde apresenta uma parte da peça.


Cartaz desenhado por Jô Soares


Em 12 de junho de 1968, a 1ª Feira Paulista de Opinião faz sua “estreia” no Teatro Ruth Escobar, após liberação com cortes.