MULHERES TECENDO HISTÓRIAS: aula 1 [09.03.19]


“A literatura é feita disso, de devaneio”.
                                         Marcelino Freire


Somos 25 mulheres, a maior parte paulista, mas não só, numa experiência de conhecer. Talvez de escrever. Por ora, de ver cores, muitas cores, de pele e de vestes. Será prematuro já agora contar suas histórias porque nenhuma delas eu tinha presenciado antes de hoje. No entanto, acho que dá pra falar de Natália e de Cristina, sobrenomes desnecessários. E eu não os sei, de qualquer forma.


Natália é produtora da área de Artes Cênicas do Itaú Cultural. Lá na Avenida Paulista foi hoje o primeiro encontro do curso de 16 aulas “Mulheres tecendo histórias” com o poeta pernambucano Marcelino Freire. Música pros meus ouvidos.


Natália já tinha sido um show no e-mail de confirmação: querida, beijo, obrigada. Não costuma ser assim o trato das instituições com o público. Para os outrxs, recomendo mais afeto. Para a Natália, não precisa. Quando vi o sorriso aberto e as palavras calorosas com o grupo, eu já sabia: ela é só afeto.


Cristina sentou-se ao meu lado na sala vermelha do 2º andar. Foi meu par na atividade do dia e não poderia ter sido melhor. Ela mexe com quadrinhos. Domina a imagem como linguagem. E – não há qualquer dúvida! – é poeta. Marcelino pediu pra escrever um recado inusitado para o parceiro e, depois, responder. A minha provocação foi esta:


Cristina, querida,
precisamos de um arranjo de flores.
Colha as margaridas do amaciante de roupas,
junte o espaguete sem cozer
e amarre com seus fios de cabelo.
                                Da sua Renata.


A reação pronta e escorreita foi esta:


Cara Renata,
o amaciante liberou poucas margaridas.
Elas vieram macias, tão macias
que amaciaram o espaguete e meus fios de
cabelo, e ambos escorreram.
O arranjo está no escorredor, espero que goste.
                                                           Beijos, Cris.


Como disse o Marcelino, já podemos, Cris e eu, escrever a quatro mãos.


“Poesia é onde a linguagem se desestrutura”.
                                                   Marcelino Freire


A gramática ali no nosso curso não importa, diz o poeta. Não que não seja bom saber, mas não há de ser barreira. Há professoras ali. Também há policial, psicóloga, contadora etc. Realmente o que importa é a cor do que a gente ouve e houve, se me entende.


Marcelino falou de Manoel de Barros (ocupação que acontece no Itaú Cultural), que ele conheceu bem e chamou de “gaiato”. Falou do outro poeta Manuel, o Bandeira, tuberculoso, de quem leu pela primeira vez um poema: “O bicho”. Aos nove anos. A fortaleza do poeta, disse Marcelino, é mostrar o que a gente não vê. Ganhou de uma professora de português uma antologia de Bandeira: “Quem abre um livro tá abrindo um portal”.


Apologia da leitura e dos livros, afinal vamos todas escrever. Então, uma Margarida, mãe de uma Cláudia e de um Cláudio*, não teme dizer que não gosta de ler. Isso é desestruturar a linguagem!  


*Isso é poesia! Marcelino tinha dito há pouco: “Muitas vezes palavras bonitas não nos pertencem. Mais bonito que ‘orvalho’ é o nome da minha avó”.


Além dos dois manuéis, Marcelino falou de Solano Trindade. Poeta nascido em Pernambuco que viveu no Rio e se mudou para Embu das Artes. Um dos criadores do Teatro Experimental do Negro, com Abdias Nascimento. Seu poema “Tem gente com fome”, publicado em 1944, conversa com o “Trem de ferro” [ou “Café com pão”], que Manuel Bandeira escreveu na década de 1930. Veja aqui Ney Matogrosso interpretando Solano Trindade, com música de João Ricardo.  Ouça aqui Tom Jobim interpretando sua música para o poema de Manuel Bandeira.


Tem tarefa para o próximo sábado: uma lista de 15 itens da infância. Meu primeiro item é:
  1. Guerrinha de mamona (fruto da mamoneira ricinus communis).
  2. ...

Marcelino também sugeriu que a gente assista ao documentário “SP-Solo Pernambucano” (2013), direção de Wilson Freire e Leandro Goddinho, sobre sua vida e obra. Só que é a mãe dele a protagonista. Ou, melhor, a saudade da mãe dele. Veja aqui.


“Gosto das pessoas que dizem aquilo que não sei”.
                                                             Marcelino Freire