ANTÍGONA NA AMAZÔNIA – AGORA VAI!

Kay Sara (@arminsmailovicphoto)

Eu venho escrevendo sobre este projeto do dramaturgo e encenador suíço de língua alemã Milo Rau há anos. Isso. Anos. Por quê? Porque teve uma pandemia no meio do caminho. Esta é a terceira obra do tríptico sobre mitologia antiga e ativismo que ele iniciou em 2019 com a peça “Orestes in Mosul” (veja neste post algo sobre a peça e muito sobre Rau e seu manifesto teatral) e continuou em 2020 com o filme “The New Gospel” (mais um post, com trailer; eu vi o filme só depois e é fantástico!). A estreia mundial de “Antígona na Amazônia” (Antigone in de Amazone, em holandês) estava prevista para 2021 (post afirmativo), mas foi adiada por dois anos (post lamentoso).
Mas agora vai! Confirmei com Tom de Clercq, coordenador de comunicação do teatro NTGent, sediado na cidade de Ghent, na Bélgica, onde Rau é diretor artístico e de onde já está de mudança. Ele foi selecionado como novo diretor artístico do Wiener Festwochen a partir de julho, com um contrato de cinco anos. Em razão disso, outra peça de Rau que evoca a mitologia antiga, chamada “The Philoctetes Syndrome” (Das Philoktet-Syndrom, em alemão), sobre uma fotógrafa de guerra traumatizada, teve sua estreia mundial este ano no Schaubühne, em Berlim, cancelada.

(@arminsmailovicphoto)

Troco mensagens esporádicas com Tom de Clercq desde 2020 (chama-se persistência) sobre o projeto na Amazônia brasileira e hoje ele disse: “Yes, it will take place!” Então, agora vai! Ainda aguardo confirmação sobre uma série de detalhes, mas, pelo que está informado no press kit atualizado (em inglês), em 17 de abril a peça será encenada “numa rodovia ocupada na Amazônia”. Nesse dia, há 27 anos, aconteceu na atual rodovia federal BR-155 (antiga estadual PA-150) o episódio de extrema violência estatal contra camponeses sem-terra que ficou conhecido como “o massacre de Eldorado dos Carajás”. Há muita informação na internet e eu falo do tema nos meus posts linkados mais acima. Corre atrás.
A protagonista que dá nome à peça será a atriz Kay Sara (@kaysara_), nativa da Amazônia e artista militante. Sobre ela e algo sobre a peça, dá pra ver neste vídeo de 9 minutos falado em inglês. Com esse projeto, Kay Sara está ganhando projeção internacional, que só deve aumentar com a estreia europeia no NTGent em 13 de maio e mais quatro apresentações, seguidas de uma turnê pela Europa. Em maio: Amsterdã, Viena. Em junho: Frankfurt, Arras (França), Roterdã (Holanda). Talvez, quem sabe, passando pelo Festival d’Avignon em julho. A ver. A programação sai no início de abril.

No Pará, em 2020 (@arminsmailovicphoto)

Outro brasileiro no elenco é Frederico Araújo (@fredrich_araujo), artista carioca formado pela UniRio, que estuda na Bélgica. José Celso Martinez Correa faz Tirésias, em vídeo. Celso Frateschi (@celsofrateschi) é Creonte, no Brasil, não na Europa, se entendi bem. Na estreia mundial, no Brasil, ativistas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) vão atuar também. Há dois artistas europeus no elenco: Arne de Tremerie e Sara de Bosschere. Tenho curiosidade sobre detalhes, mas ainda não estão disponíveis. É esperar mais.

A editora internacional do blog “The Stage”, Natasha Tripney, está apostando na montagem de Milo Rau como uma das mais comentadas da temporada 2023 na Europa: “Ele é um dos artistas de teatro mais interessantes da atualidade e vai despertar muita atenção. Ele vai lidar com muitas perguntas que nos fazemos sobre a catástrofe climática, sobre o populismo – obviamente, eles começaram o projeto quando Bolsonaro ainda estava no poder”.

O que diz o próprio Milo Rau sobre este projeto ambicioso, que prevê também uma campanha pela produção agrícola sustentável:


No Pará, em 2020 (@arminsmailovicphoto)

“Não estamos apenas criticando e adaptando Sófocles, estamos fazendo uma ocupação da peça, por assim dizer, como o MST ocupa a terra. Com atores, estórias e a sabedoria da Amazônia”.
(...)
Antígona está sendo completamente reescrita nesta apropriação: os rituais amazônicos tomam o lugar dos rituais da antiga Grécia, os coros cantam algo diferente, a música é restaurada. E, na primeira vez que eu li a peça, me disseram: ‘Por que todo mundo se mata no final? A luta continua, não?’ Então reescrevemos o final”.


Por fim, algumas informações mais consistentes sobre o que se passa nesses bastidores, excertos traduzidos do press kit:

No Pará, em 2020 (@arminsmailovicphoto)


A performance brasileira acontecerá em 17 de abril de 2023 nos locais que simbolizam o conflito do estado brasileiro contra os sem-terra e a população indígena: na estrada bloqueada que corta a floresta onde ocorreu o massacre, na fazenda posteriormente ocupada pelos sobreviventes e habitada até hoje, e nas matas e nas aldeias da população indígena.

O diretor brasileiro Fernando Nogari (@fernando.nogari), conhecido por seus videoclipes para a cantora Selena Gomez, está fazendo um filme sobre os bastidores de “Antígona na Amazônia”, documentando o contexto político, o processo de ensaio e de produção e a situação política em geral no que é provavelmente o hotspot decisivo da nossa época.


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