UM MEDALHÃO COMO HERANÇA (ou ARIADNE da Cia. Crisálida)


Ficha técnica completa neste post.

Comentário

Uma peça é bom teatro quando não basta ouvir, é preciso ver. Explico: quando as palavras não bastam, quando é preciso a mise en scène. E é assim com “Ariadne – Cartografias de um Labirinto”, da Cia. Crisálida de Teatro, trupe cearense com sede em Fortaleza.


Na estreia, neste domingo (19.09.2021), o que se pôde ver foi um audiovisual de 40 minutos, gravado em 6 de agosto do 2º ano pandêmico, no Theatro José de Alencar, na capital cearense. O vídeo não ficará disponível, mas haverá novas sessões. A agenda será divulgada no perfil @ciacrisalida. 


Haverá também o tempo do espetáculo presencial. E, tenho certeza, isso será um ganho para o espectador. Explico: o audiovisual, se não é teatro filmado (leia-se, uma câmera estática, gravando de longe o palco italiano), também não chega a ser teatro-filme (nomenclatura adotada por alguns grupos), porque não há a exploração de close-up na edição de imagens, por exemplo, e, com isso, a encenação que se vê é a gravação editada de uma peça feita para o tablado à espera do seu público.



Em favor desse argumento, pode-se falar da sedutora música autoral interpretada pelos atuantes. Pode-se falar dos elementos cênicos estruturantes, como as garrafas cheias de areia que vão sendo esvaziadas no decorrer da trama, dando forma ao labirinto.


Mas, acima de tudo, deve-se falar da coreografia – ou marcação coreográfica. Um bailado permanente: não há momento de diálogo que não seja uma orquestração de movimentos. O mais belo momento é, a meu ver, a cena final.





Ariadne visita o irmão, o Minotauro, no labirinto, onde, primeiro, precisa se defender e, depois, o assusta. Há um momento de descer ao chão e de voltar para o alto que prepara magicamente o afago final, embalado pela letra de uma canção inédita: “Como é que eu faço pra andar no teu labirinto? O que eu uso nos meus pés? Asas de anjo? Pétalas de flor?”.


Elaine Cristina (Ariadne) e Paulo de Souza (Minotauro)


Após três anos de pesquisas sobre o mito de Ariadne, a Cia. Crisálida sustenta que cada um de nós tem seu labirinto e que somos, assim, minotauros também. E que nunca antes tanto quanto durante a pandemia estivemos silenciados, isolados e privados. Então, apresenta o amor como o caminho: é preferível atacar o monstro ou amá-lo?


Ariadne, a senhora do labirinto, confronta seu pai, o rei Minos, de Creta, que usa o Minotauro, “filho bastardo”, como arma, segundo Teseu, príncipe de Atenas. Ao Minotauro, detido no labirinto, eram sacrificados regularmente jovens atenienses. 


Diz Ariadne: “Ninguém aqui tem voz; em todo canto só se escuta esse medo; eu preciso fazer alguma coisa; eu não posso ficar aqui; se eu ficar aqui, eu vou apodrecer, eu vou morrer”.


E, em outro momento: “Todo mundo tem uma coisa aqui dentro. Eu tenho um fio que me leva, para onde eu não sei. Esse fio, a vida de todo ser humano, parece ser uma sequência inacabada de desgraças. Com a porra desse fio eu devia era me matar”.



Em cenas específicas, cada uma das quatro atrizes (Juliana Veras, Ohana Sancho, Rafaely Santos, Elaine Cristina) faz Ariadne, portadora do medalhão, o amuleto oniromante que possibilita fazer previsões por meio dos sonhos. Herdado da mãe, Pasífae, ele é repassado ao irmão monstruoso, num penhor de afeto.


O texto de partida chegou a chamar-se “Oniromante”, mas, ao longo do processo, além de ter sido reformulado em grupo, com aproveitamento, talvez, de 25 por cento do original, mudou de nome. O plural “cartografias” reflete a multiplicidade de caminhos à nossa escolha em tempos labirínticos.

Renata Cazarini


Comentários

  1. Lindas imagens. Texto sensível, Renata. Grata. Acho que preciso rever. Minha ansiedade atrapalhou um pouco, senti alguns incômodos, não aproveitei a coreografia, por exemplo. Percebi, mas de modo muito racional... Preferia que fosse presencial... acho que isso me tirou... cansaço...

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