TAMBÉM GUARDAMOS PEDRAS AQUI (ESTREIA)

 

Spoken word: Luiza Romão

Direção e direção musical: Eugênio Lima

Produção executiva: Iramaia Gongora

Iluminação: Matheus Brant

Cenário: Wanderley Wagner

Figurino: Claudia Schapira

Visagismo: Louise Helène

Videografia e pesquisa imagética: Vic Von Poser

Temporada: 26 de abril a 18 de maio, sextas e sábados às 20h; sessões extras.

Local: Sesc Vila Mariana, São Paulo

Ingressos: credencial plena R$12; meia R$20; inteira R$40

https://www.sescsp.org.br/programacao/tambem-guardamos-pedras/

Classificação: 16 anos

Duração: aprox.50 min.

Visto em 26 de abril de 2024 (estreia)

Sinopse

O monólogo, adaptação do livro de poemas homônimo, faz uma releitura da Ilíada, de Homero, do ponto de vista feminista. Através do Spoken Word, Luiza Romão desmonta Troia, pedra após pedra, herói após herói, para jogar luz à violência fundante da literatura ocidental, em especial, contra a mulher. (divulgação)

Comentário

Demorou mais de dois anos, mas chegou ao presencial a performance da poesia de Também guardamos pedras aqui, um livro que é um porta-joias. Acontece que essa poeta é slammer e atriz, daí ela mesma subir ao palco e empunhar sua escrita vigorosa de desafio à tradição cultural que coloca a poesia iliádica de Homero como fundadora da literatura ocidental. Ela condena: “Maldita literatura e seu panteão de vitórias”. Ouça na amostra do audiolivro o poema “andrômaca”.

Sob a direção do DJ Eugênio Lima, que faz a sonoplastia ao vivo, a palavra concorre com imagens em vídeo e a trilha sonora. Fique avisada. No palco, três microfones são as marcações para a poetatriz caminhar a passos lentos e pesados de uma ponta a outra. No fundo, projeções e a exposição de duas pedras como numa museografia da palavra poética do livro premiado com o Jabuti de 2022.


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Figurino e visagismo também são ímãs da atenção do espectador, porque, de fato, arrebatadores. Fico pensando se não é informação demais para quem está acomodada na poltrona de um teatro de palco italiano. Saí desejando ver a performance em pé, num espaço mais incômodo mesmo, com as pessoas ao redor da poeta, ela e todas em livre trânsito. Mas ter um auditório do Sesc para uma temporada em São Paulo é uma vitória sem mortos. Entendo, aceito e concordo.

O programa da noite está dividido em cinco partes: 1. A guerra; 2. Heróis; 3. O grande karaokê; 4. Faz mais de três milênios ontem; 5. Nada como contar uma boa história. Os poemas publicados são organizados sob esses subtítulos. O programa impresso distribuído pelo Sesc traz um resumo das motivações para a mítica guerra de Troia e um glossário sobre as personagens por ordem de menção no espetáculo: Ifigênia, Agamêmnon, Homero, Príamo, Ilíone, Diomedes, Pátroclo, Eneias, Antíloco, Sarpédon, Heitor, Ajax, Nestor, Menelau, Helena, Páris, Aquiles, Tétis, Hécuba, Briseida, Políxena, Zeus, Pentesileia, Atena, Odisseu, Polifemo, Cassandra, Andrômaca.

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Estabelecendo um paralelo com o canto 24 da Ilíada, Luiza problematiza a ditadura militar brasileira e seus “desaparecidos”, os 210 corpos não localizados, aborda a violência política na América Latina, resgatando Ernesto Che Guevara, denuncia a agressão dos gregos contra os troianos. O poema “homero” (com minúscula mesmo) é um feito poético: inicia-se com o verso despretensioso “os gregos foram capazes de” continua com uma tarja na edição impressa e com uma looonga sequência de verbos projetados na performance até concluir o repertório de agressões com “milhares de troianos”. Só que até Aquiles, o irado, teve piedade e devolveu o corpo de Heitor ao pai Príamo, rei de Troia. “Até os gregos tinham piedade”. Sim, somos mais cruéis.

Num momento de interação com a plateia, Luiza conta como optou pela Ilíada como companheira de viagem pela Bolívia. Deu no que deu.

“A Ilíada é o livro mais violento. Perto de Homero, [Quentin] Tarantino [diretor de cinema] é fichinha! Por mais violento que fosse, pelo menos os gregos devolvem o corpo, e eu estava lendo isso no lugar onde o corpo de Che Guevara ficou 30 anos desaparecido”.

Enterrado clandestinamente em 1967, o corpo do guerrilheiro argentino foi recuperado apenas em 1997, depois que o segredo do seu sepultamento foi revelado. A poesia de Também guardamos pedras aqui afirma: “um corpo é um atestado de barbárie”. Digira com flores!

foto no foyer do auditório do Sesc Vila Mariana na estreia

Nota Bene

Quem não conhece o premiado livro de Luiza Romão? Depois do lançamento em julho de 2021, recebeu o Jabuti e tem circulado pelo mundo em traduções pro espanhol, pro francês. Também guardamos pedras aqui está vocacionado para a performance. Veja o que escrevi em agosto de 2021 sobre essa joia literária e dá uma espiadinha lá na Luiza falando seus poemas. Agora tem uma temporada inteira. Não perde, não.


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