MUSIC (FILME)

Aliocha Schneider (Jon)


Direção de Angela Schanelec
Alemanha/França/Sérvia
2023
108 min.
Elenco: Aliocha Schneider (Jon), Agathe Bonitzer (Iro), Marissa Triantafyllido (Merope), Argyris Xafis (Elias), Theodore Vrachas (Lucian).


Pode acontecer de a sala de cinema estar vazia. Mesmo em São Paulo.

Sinceridade? Tinha um casal, que desistiu às 22h58. Na metade. Fiquei só.

Music não é fácil. Mas eu gostaria de tentar outra vez. Tenho uma chance: IMS Paulista, 22h, sábado (27).

Amei o filme, mas não sei explicar. Tem um Édipo por trás de tudo. E isso me seduz.

O protagonista, Jon, tem os pés feridos (Oidípous) desde o nascimento, tipo uma irritação grave na pele, que persiste vida adentro. É a marca que faz a gente saber quem é ele no filme já que não tem cronologia linear. A gente o vê bebê. A gente o vê pai. E ele vai ficando cego. Pés prejudicados e cegueira, marcas de Édipo. E o parricídio e o incesto?

Esses elementos estão presentes, mas de uma maneira mais convulsionada.

Jon mata alguém, Lucian, que tentara beijá-lo num entroncamento numa estrada. Ao desvencilhar-se do cara, ele o lança contra uma pedra. Pronto. Cabeça. Pedra. Sangue. Jon cumpre pena de um ano num reformatório, onde conhece Iro, uma jovem ruiva de cabelos longuíssimos, funcionária da segurança na instituição. Casam-se. Têm filhos.

Um dia, sem motivo aparente, ela liga para os pais de Lucian e descobre que o rapaz havia morrido sete anos antes pelas mãos de um jovem estudante. Sim, foi Jon. Iro, que parece conhecer os ditames oraculares, lança-se de um despenhadeiro. Jocasta morta.

Jon parece desconhecer o enredo. Ou eu que me perdi? É que é ousado colocar a trinca trágica Laio (Lucian) – Jocasta (Iro) – Édipo (Jon) na mesma faixa etária. Mesmo o envelhecimento das personagens é pouco marcado. O túnel do tempo inexiste. Difícil.

Slow movie

O filme foi premiado pelo roteiro, de autoria da diretora, no Festival de Berlim 2023. Incrível é que sejam poucas as falas. Um roteiro bem curto porque não tem diálogos, como diz Angela Schanelec, nesta entrevista, em que esclarece – até certo ponto – afastamentos em relação ao mito de Édipo.

Numa crítica publicada na Variety em fevereiro de 2023, por ocasião do Festival de Berlim, Music foi encarado, sem hesitação, como “uma expressão pós-moderna de um texto pré-moderno”, ou seja, como recepção do Édipo sofocliano. Há certa arrogância até na presunção de que são uns poucos – “the brave” - que se atrevem a desbravar a criativa ausência de lógica (fertile illogic) do filme. É difícil.

O cinema não precisa de lógica, nem seria preciso dizer. Um roteiro de cinema não é – necessariamente? nunca? – um texto literário adaptado para a telona. Um filme é pura edição de imagens, e a edição de imagens de Angela Schanelec é teimosa e elíptica: a câmera repousa sua lente num quarto de casal acortinado em tons de branco, ruídos externos apenas, não há falas em off, o espectador aguarda e aguarda, ouve-se uma voz feminina (Merope) que chama o nome “Elias”, logo a seguir, um choro de bebê (Jon). Ninguém surge para, num diálogo, emoldurar a cena de adoção do menino. Elipse.

A paisagem é a protagonista. As locações na Grécia no início do filme insistem naquela aridez tórrida combinada com ventos sobre o mar azul, estradas de terra de onde se levanta a poeira quando os carros passam, e há que subir morros e escadas das casas nos vilarejos. Noutra locação, em Berlim, a vida é plana e o automóvel assassina na via asfaltada. Quem já viu Édipo de Pier Paolo Pasolini (1967) vai encontrar ressonâncias. A diretora afirmou na entrevista de lançamento do filme no Festival de Berlim (4’37”) que só parou pra pensar duas vezes se deveria mesmo realizar o projeto quando viu novamente a produção do italiano. Parou. Pensou. Fez.



Music só chegou agora em abril ao circuito brasileiro, circuito bem restrito, aliás, distribuído pela ZetaFilmes. Esteve em cartaz ao longo de abril no IMS Paulista, em São Paulo, mais de um ano após a estreia na Europa. À época, escrevi sobre o filme sem tê-lo ainda visto. Reli o post e está cheio de informação que ainda vale a pena mesmo.

Renata Cazarini

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