THE NURSE ANTIGONE


Tema: Antígone, de Sófocles

Tradução e dramaturgia: Bryan Dooeries

Direção da leitura dramática: Bryan Dooeries

Elenco: Margaret Atwood (Tirésias), Tracie Thoms (Antígone), Taylor Schilling (Ismene & Eurídice), Ato Blankson-Wood (Hemon), Bill Camp (Creonte), Jumaane Williams (Soldado & Mensageiro), Coro: Charlaine Lasse (enfermeira/Registered Nurse), Amy Smith (enfermeira/ Nurse Practitioner) e Aliki Argiropoulos (enfermeira/Nurse Clinician).

Produção: The Theater of War Productions

Assistido em 17 mar.2022

Duração: 40 minutos

Plataforma Zoom


Sinopse

Um projeto inovador de e para enfermeiras, The Nurse Antigone apresenta leituras dramáticas da Antígone de Sófocles no Zoom - com atores profissionais e um coro de enfermeiras da linha de frente - para ajudar a nortear discussões potentes sobre os desafios únicos enfrentados pelas enfermeiras antes, durante e depois a pandemia de Covid-19. Antígone, peça antiga sobre uma jovem que coloca tudo em risco para fazer o que acredita ser certo, dramatiza o alto custo de silenciar e marginalizar os cuidadores, especialmente em tempos de crise. Ao apresentar a peça de Sófocles para diversos públicos, incluindo enfermeiros e cidadãos preocupados, The Nurse Antigone visa gerar compaixão, consciência, conexão e a tão necessária cura, enquanto celebra e defende os enfermeiros neste momento crítico da história de sua profissão. (Divulgação, traduzido do inglês)


COMENTÁRIO

Mais um projeto da Theater of War Productions (TOWP), uma empresa que se apresenta como “de impacto social”, sobre a qual venho escrevendo há um tempinho (veja aqui), retoma a peça grega clássica Antígone, mas agora numa vertente mais da “jovem cuidadora” do que da “jovem rebelde”. Com apoio de algumas instituições sociais ligadas à área de enfermagem, esta apresentação ao vivo pela plataforma Zoom foi a primeira de doze programadas.


Printscreen: Coro composto por 3 enfermeiras


Mas o surpreendente para mim e – ficou claro – para o diretor foi que o Coro também podia ser lido como “The Nurse”. A enfermeira Amy Smith, membro do Coro, falou sobre isso: 



We nurses are like the Chorus right? We're the citizens that are watching these things kind of unfold in front of us, and we have to react accordingly, but no one's really listening to us right. We're just kind of there. We exist but nobody's really taking that time to use trauma-informed care, to know that we know what we're talking about, because we are touching the patients. We're on the front line. These decisions that we make are not coming from a board room from around a table removed from the patients. […] And it was very insightful to me just to be on the Chorus, and then have that realization myself.


Tradução do Google (tá justa): Nós enfermeiras somos como o Coro né? Nós somos os cidadãos que estão assistindo essas coisas se desenrolarem na nossa frente, e temos que reagir de acordo, mas ninguém está realmente nos ouvindo direito. Estamos meio que lá. Nós existimos, mas ninguém está realmente tomando esse tempo para usar cuidados informados sobre o trauma, para saber que sabemos do que estamos falando, porque estamos tocando os pacientes. Estamos na linha de frente. Essas decisões que tomamos não vêm de uma sala de reuniões em torno de uma mesa afastada dos pacientes. […] E foi muito perspicaz para mim estar no Coro, e então ter essa percepção.


E a reação de Bryan Dooeries:


When we cast you all in the Chorus, you know that I never thought that you would identify with the Chorus in that way, and it's such an amazing insight that the Chorus has wisdom to bestow. It has a perspective. It has vital information that if someone just listened to them the tragedy that is unfolding could be averted not just for Antigone, but also for Creon and his family. What is it like to have the answers and to be cast to the margins, and not have the power to actually avert tragedy before it's too late, and also feel complicit in the tragedy that's unfolding? I think you've described what we now call “moral injury” you know, and I really appreciate you bringing that into the room, and in such a powerful way, or moral distress or moral residue. These are things, these are terms that we can talk about, but regardless something there's a soul wound this and I've never heard of the citizens of this play being seen that way. But viewed with the perspectives of nurses playing them a whole new light is cast upon the Theban citizens.


Quando colocamos todos vocês no Coro, vocês sabem que eu nunca pensei que vocês se identificariam com o Coro dessa maneira, e é uma visão tão incrível que o Coro tem sabedoria para conceder. Tem uma perspectiva. Tem informações vitais de que, se alguém apenas os ouvisse, a tragédia que está se desenrolando poderia ser evitada não apenas para Antígona, mas também para Creonte e sua família. Como é ter as respostas e ser lançado à margem, e não ter o poder de realmente evitar a tragédia antes que seja tarde demais, e também se sentir cúmplice da tragédia que está se desenrolando? Acho que você descreveu o que agora chamamos de “lesão moral”, sabe, e eu realmente aprecio você trazer isso para a sala, e de uma maneira tão poderosa, ou sofrimento moral ou resíduo moral. Essas são coisas, esses são termos sobre os quais podemos falar, mas, independentemente de algo, há uma ferida na alma e nunca ouvi falar dos cidadãos desta peça sendo vistos dessa maneira. Mas visto com as perspectivas das enfermeiras que os interpretam, uma luz totalmente nova é lançada sobre os cidadãos tebanos.


A esta altura talvez eu deva explicar que a conversa rola porque o projeto prevê, após a leitura dramática, duas sessões de “healing” por meio de comentários à peça e sobre como ela se conecta com o meio profissional da Enfermagem. A aposta deste e de outros projetos da TOWP é que a tragédia ática tem uma mensagem perene que cala fundo nos dias de hoje.


Entre os famosos que aderem a essa proposição está a autora canadense Margaret Atwood, que fez o papel do profeta Tirésias direto de Toronto.


Printscreen: Margaret Atwood como Tirésias


Certamente, o nome da autora premiada tem seu apelo e o jornal norte-americano The New York Times publicou um artigo no dia da transmissão. Lá consta a resposta quando foi convidada de última hora: “You want me to play an old, blind transgender prophet? That’s a dream come true!” (Você me quer no papel de um velho profeta cego transgênero? É um sonho que se realiza!).


Tenho que dizer que a conversa que veio a seguir à leitura pareceu comprovar o que o jornal informava sobre a fuga de talentos. Uma pesquisa recente mostra que 66% dos enfermeiros e enfermeiras querem abandonar a profissão depois da sofrida experiência com a Covid-19. É possível que a leitura dramática funcione como uma sessão terapêutica, mas talvez não seja o bastante para cicatrizar as feridas. Certamente engajou emocionalmente muitos deles. Acho que já é bom.


Renata Cazarini


Printscreen: o elenco ao final da leitura


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