THEATER OF WAR PRODUCTIONS



Plataforma: Zoom

Gratuito

Em inglês, com legendas em inglês opcionais

Programação aqui


O projeto de engajamento político por meio da tragédia clássica ganhou dimensão global durante a pandemia, sendo transmitido em plataforma on-line. Bryan Doerries é diretor artístico do Theater of War Productions, empresa de impacto social que usa o teatro da Antiguidade para promover o debate nas comunidades afligidas por uma peste dupla: a violência racial e o atendimento hospitalar desigual em plena pandemia de Covid-19. Nas palavras de Doerries, o teatro clássico parece ter sido feito para “confortar os aflitos e afligir os confortáveis” (expressão corrente nos Estados Unidos).


Doerries, que traduziu do grego as peças de Sófocles que constituem o repertório de espetáculos do Theater of War, entende a tragédia clássica como uma tecnologia para o presente. Na divulgação do Oedipus Project UK, por exemplo, afirma-se que a leitura dramatizada funciona como um “catalisador para uma conversa franca sobre o impacto da Covid-19 em indivíduos, famílias e comunidades em todo o mundo”. Foi justamente com a peça Édipo Rei que teve início a série de apresentações on-line, em 7 de maio de 2020. Aqui tem um trailer dessa live.


A razão pela qual a tragédia grega funciona para tantas das nossas questões sociais é que praticamente todas as tragédias, como as questões sociais, dramatizam o impulso conservador e contagioso de negar o trauma: negar que alguém é uma vítima ou que algo ruim esteja acontecendo. Então, alguém desafia o impulso e grita coisas horríveis que ninguém quer ouvir e o feitiço é quebrado. (The New Yorker)


Aqui o artigo completo da revista The New Yorker contando como foi.




Eu vi Oedipus Project, mas só em setembro. Vi também Antigone in Ferguson, na sua estreia on-line em agosto. E vi ainda Philoctetes e Women of Trachis, neste mês de outubro. Mais abaixo estão meus comentários.


Para conhecer melhor o criador do projeto, que conduz os debates que se seguem às leituras dramatizadas, sugiro estas apresentações: 5 min. (2011) ou 15 min. (2015)


ANTIGONE IN FERGUSON

Diretor artístico: Bryan Doerries

Diretor musical: Phil Woodmore

Elenco: Oscar Isaac (Creonte), Tracie Thoms (Antígone), Ato Blankson Wood (Hemon), Willie Woodmore (Tirésias), Marjolaine Goldsmith (Ismene), Jumaane Williams (Guarda/Mensageiro), The Antigone in Ferguson Choir e os solistas De-Rance Blaylock e Duane Martin Foster.

Duração: 60 min.

Visto em: 09 ago.2020




Antigone in Ferguson foi criada na esteira da morte de Michael Brown Jr. em 2014, a partir da colaboração entre o Theater of War Productions e membros da comunidade de Ferguson, Missouri. Antigone in Ferguson une a leitura dramatizada da Antígone de Sófocles por atores famosos com o canto coral na performance de um coro formado por ativistas, policiais, jovens e cidadãos preocupados de Ferguson e da cidade de Nova York. A performance é um catalisador para os debates de um painel de convidados e da audiência sobre a violência racial, opressão estrutural, misoginia, violência de gênero e justiça social. Este evento especial é apresentado como parte de “A experiência virtual” do 6th Annual Michael Brown Memorial Weekend, em homenagem à vida de Michael Brown Jr, e dará destaque ao ponto de vista das famílias que perderam pessoas queridas para a brutalidade policial e violência nas comunidades. (divulgação)


Nota bene

A estreia do espetáculo presencial havia ocorrido em setembro de 2016, na Normandy High School, onde estudava o jovem negro assassinado por um policial branco, na cidade de Ferguson, no Missouri. O corpo da vítima ficou estendido no chão por horas. Sobre o tema, sugiro esta leitura.


Toda a história de construção desse espetáculo está nesta fala de 15 minutos de Bryan Doerries, com muitas fotos, que vale assistir.

 

Também é possível ver uma gravação completa da leitura dramatizada com acompanhamento de um grande coro, datada de 2017, aqui.

 

A próxima apresentação está agendada para este sábado, 17 de outubro, 17 horas (Brasília). Basta se registrar



COMENTÁRIO

É arrebatador o efeito do coro gospel na leitura dramatizada de Antígone. Cada oportunidade de sua intervenção redimensiona o espetáculo para além dos quadradinhos que limitam especialmente cada um de seus membros. A impressão é que não pode haver solução melhor para a realização de um coro de tragédia hoje. 


A música do espetáculo foi composta por Phil Woodmore. Uma das seis canções apela à purificação da cidade: “Purify the city. Bring justice to our land. Purify. Purify”. Na versão atual, o apelo é ao fim da pandemia e ao ódio: “Come on everybody, come on! No more Covid! No more hatred! Come on, purify! Purify!” 


Outra canção, “I’m covered”, traz o imaginário cristão: “I’m covered in the precious blood of the Lamb! When the enemy surrounds me, my God will cover me. Thank God I’m covered. I’m covered by His grace, by His power. He’s been so faithful! I’m covered!”.


Entre os personagens tradicionais da tragédia presentes na montagem do Theater of War, a performance de Tirésias, por Willie Woodmore, pai do compositor, foi singularmente estimulante na sua virulência e caracterização simples, mas eficaz.



OEDIPUS PROJECT

Diretor artístico: Bryan Doerries

Elenco: Damian Lewis (Édipo), Kathryn Hunter (Sacerdote), Lesley Sharp (Jocasta), Jason Isaacs (Creonte), Nyasha Hatendi (Coro), Nick Holder (Mensageiro), Brian F. O’Byrne (Pastor), Marjolaine Goldsmith (Tirésias).

Duração: 60 min.

Visto em: 03 set.2020


O Oedipus Project apresenta leituras dramatizadas feitas por atores famosos da peça Édipo Rei de Sófocles como um catalisador de conversas potentes, orientadas, sobre o impacto da pandemia de Covid-19 nos indivíduos, famílias e comunidades. Édipo Rei conta uma história antiga sobre uma liderança arrogante, uma profecia ignorada e uma pestilência que devasta a cidade de Tebas. Na época em que a peça foi encenada pela primeira vez, em 429 a.C., a audiência estaria abalada com a peste. Vista por este ângulo, Édipo Rei parece ser tão relevante agora como era em seu tempo. (divulgação)




COMENTÁRIO

A leitura dramatizada funciona, com um texto direto e forte. Veja esse excerto da cena inicial:


Use your unmatchable strength to save us from this plague!  Maybe you received a message from a God or even some man, perhaps a counselor who advises you during times of crisis?  Tell us what you know! Lift up the city again, best of men!  We still call you savior because of past actions. Don't let the present calamity strip you of your rightful title. Ensure that you are remembered for all time as a great leader, not as one who helped us stand only to let us fall.  You started this, now finish the story. Put us back on the path to health and prosperity. Years ago, you arrived like an auspicious omen, reversing our fortune in an instant. Do it again, Oedipus!  Rule our land as is your right, but preside over the living, not the dead. For if you continue down the current path, there will soon be no one left to rule. A city like a ship, is nothing without men and women within its walls.


Use sua força incomparável para nos salvar desta praga! Talvez você tenha recebido uma mensagem de um Deus ou mesmo de algum homem, talvez um conselheiro que o aconselha em tempos de crise? Conte-nos o que você sabe! Erga a cidade novamente, melhor dos homens! Ainda o chamamos de salvador por causa de ações passadas. Não deixe a atual calamidade tirar de você seu título de direito. Certifique-se de que você seja lembrado para sempre como um grande líder, não como alguém que nos ajudou a levantar só para nos deixar cair. Você começou isso, agora termine a história. Coloque-nos de volta no caminho da saúde e da prosperidade. Anos atrás, você chegou como um presságio auspicioso, revertendo nossa sorte em um instante. Faça de novo, Édipo! Governe nossa terra como é seu direito, mas governe os vivos, não os mortos. Pois se você continuar no caminho atual, logo não haverá mais ninguém para governar. Uma cidade como um navio não é nada sem homens e mulheres dentro de seus muros.


O que aparece como uma dificuldade é ter visto antes Antigone in Ferguson com seu coro voluptuoso e se deparar agora com uma voz solitária no papel. Ainda assim, é prazeroso.


PHILOCTETES AND WOMEN OF TRACHIS

Diretor artístico: Bryan Doerries

Elenco: Frankie Faison (Filoctetes/Coro), Frances McDormand (Héracles/Coro), Nyasha Hatendi (Neoptólemo), Marjolaine Goldsmith (Hilo).

Duração: 40 min.

Visto em: 07 out.2020 (apenas o debate)





Este evento é organizado por Médicos sem Fronteiras (MSF) e vai apresentar cenas de Filoctetes e As Traquínias de Sófocles, gerando repertório para a discussão de temas como a morte e o morrer, o luto, o desvio dos padrões de cuidado e atenção, o abandono, o desamparo e decisões éticas complexas. Temos o orgulho de fazer um evento aberto ao público, trazendo para o diálogo com os prestadores de serviços médicos da linha de frente no mundo todo a ampla comunidade impactada pela Covid-19 e os cidadãos preocupados. Com performances de Frankie Faison como Filoctetes e de Frances McDormand como Héracles. (divulgação)


Veja o trailer aqui.




COMENTÁRIO

A seleção de peças de Sófocles recaiu sobre aquelas em que se destaca o sofrimento decorrente da dor, como ocorre com os personagens Filoctetes e Héracles. No debate com os médicos convidados do Iraque, Canadá, Reino Unido, um dos temas foi a relevância e o efeito terapêutico do grito, dispositivo usado expressivamente na leitura. O médico Qusay Hussein, por exemplo, disse que gritar é uma forma de se fortalecer, mais do que a manifestação de um sentimento de abandono. Bryan Doerries, com sensibilidade, ressaltou como as peças clássicas têm a capacidade de aproximar as situações de dor, mostrando que não estamos sozinhos ao longo do tempo. Para o idealizador do projeto Theater of War, vive-se hoje uma dupla pandemia: violência racial e hospitalização precária.


Neste PDF, é descrita com riqueza de informações uma performance presencial do Philoctetes Project, em 2009. É mencionado o Teatro do Oprimido, de Augusto Boal.


Nova transmissão de Filoctetes e As Traquínias em 29 de outubro. Registre-se.


Transmissão de Ajax e Filoctetes em 6 de novembro. Registre-se.


Bibliografia recomendada:

DOERRIES, Bryan. The Theater of War: What Ancient Greek Tragedies Can Teach Us Today (2015)

MORALES, Helen. Antigone Rising: The Subversive Power of the Ancient Myths (2020)



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