TERRA MEDEIA
Mito: Medeia
Dramaturgia: Medealand, de Sara Stridsberg (2009)
Tradução do sueco: Bim de Verdier e Nestor Correia
Direção: Bim de Verdier
Elenco: Nicole Cordery (Medeia), André Guerreiro Lopes (Jasão), Daniel Ortega (Médico), Renato Caldas (Creonte), Rita Grillo (Babá), Bim de Verdier (Mãe e Deusa) – participação especial (voz da princesa): Anna Zepa
Direção de Arte, Fotografias e Filmagens: João Caldas
Equipe de captação de imagens, edições e transmissão: Marcela Horta, João Caldas e Andreia Machado
Operação de vídeos ao vivo: Marcela Horta
Consultoria em áudio e operador de som: Alexandre Martins
Contrarregra: Madu Arakaki
Duração: 70 min.
Temporada: 22 maio – 13 junho 2021
Sessões aos sábados e domingos, 17 horas
Ingressos gratuitos
Visto em 20 maio 2021 (pré-estreia)
Em Terra Medeia, a autora Sara Stridsberg acompanha de perto a tragédia clássica escrita por Eurípedes há quase 2.500 anos. No entanto, o mito antigo é situado no mundo contemporâneo e, ainda assim, fora de tempo e espaço. Nesse enredo, onde a realidade se mistura com o sonho, Medeia é uma imigrante que, abandonada por seu marido, também perde o direito de viver no país dele. (divulgação)
Comentário
A Medeia do imaginário sueco contemporâneo tem uma Mãe e uma Deusa que falam com ela, estão ali, dentro da sua cabeça, para direcionar suas ações. Dista bastante da Medeia clássica que fala consigo mesma até decidir como agir. Aqui é mais como um devaneio de uma Medeia que bebe e toma medicação, segundo o Médico, psiquiatra com certeza, que se recusa a diagnosticar uma doença na sua paciente. E ela diz que está doente de “coração esmagado, não partido”. O sofrimento dela gira obsessivamente em torno de Jasão – e isso, para mim, que tenho visto Medeias mais dispostas a romper essa dependência emocional, é muito incômodo. A tradicional Ama torna-se a Babá dos meninos Aquiles e Tigre, uma voz que apoia, mas que também alerta. É a voz que tenta preservar algum traço de maternagem em Medeia.
A mulher desterrada, refugiada, recebeu ordem de deportação e não quer partir do país, chamado Corinto. Não tem por que voltar à Cólquida já que a Mãe morreu há quatro anos e não tem mais cidadania, contudo nada se fala sobre o tradicional assassinato do irmão nem do velo de ouro. Medeia cobra de Creonte que altere as leis para abrigá-la no país. E está disposta a tudo, tudo mesmo, para conseguir uma semana a mais antes de partir. Sim, uma semana, não basta um dia. E Jasão, por fim, autor de falsas promessas, como na versão canônica, agindo nas sombras. O desfecho é o que se conhece da peça de Eurípides. Daí que essa dramaturgia afirma sobre Medeia: “Você vai ser lembrada no futuro, vão lembrar de Medeia, você continuará sendo o fogo e a ferida”.
As imagens que ilustram este post são print screens da sessão que funcionou como pré-estreia para convidados. Do elenco, Bim de Verdier estava na Suécia e Rita Grillo, na França. Praticamente tudo ao vivo, também do estúdio de João Caldas no bairro de Perdizes, em São Paulo. A tecnologia não foi uma armadilha. A transmissão foi de qualidade. E, depois, bate-papo rápido com um comentário ou dois sobre a produção.
O texto sueco da peça foi vertido para o português brasileiro, mas editado para a montagem da peça. Não sei quanto foi cortado. Não conheço o texto sueco. O que dá pra dizer é que se trata de uma escrita bem do nosso tempo, ácida e poética. Os tradutores mandaram pro blog alguns comentários sobre seu trabalho a meu pedido:
Houve o interesse ou a preocupação de fazer ecoar a Medeia canônica (Eurípides) na Medeia de Sara Stridsberg em português?
Sara Stridsberg, na peça Medealand, Terra Medeia em nossa tradução, já acompanha de perto a tragédia clássica de Eurípides, inserindo elementos contemporâneos, mas sendo também extemporal. Nós procuramos seguir o texto dela o mais próximo possível que uma tradução pode permitir, assim os ecos de Eurípides são da própria Sara.
A linguagem de Sara Stridsberg já sofreu tentativa de censura no Brasil na peça Dissecar uma nevasca (conforme nota de Bim de Verdier de 26/2/2015). O texto de Terra Medeia, na sua tradução em português, tem a ousadia de correr todos os riscos?
Naquela época ficamos muito incomodados com a censura, conscientes da importância da liberdade artística numa democracia. Hoje, diante de tantos absurdos que têm acontecido no Brasil, os riscos são ainda maiores. Terra Medeia é iconoclasta, tem palavrões e conta também sobre sexo. Sara não tem restrições moralistas nos seus textos, que buscam expor pessoas sensíveis em situações extremas.
Finalmente, quais os maiores desafios na transposição do sueco para o português brasileiro?
Toda tradução é um processo de investigação da obra da autora, de procurar entender o contexto cultural onde o texto foi produzido e também o da língua para a qual se quer traduzir. Isso exige uma constante troca de perspectiva, o que para nós é um pouco facilitado pelo fato de termos raízes nos dois países e ter convivido nas duas culturas durante mais de 40 anos. A tradução de uma peça teatral dessa qualidade exige uma sensibilidade poética, e um cuidado com sons e ritmo, tão importantes no teatro.
Um artigo da diretora, que é também tradutora, pode ser lido no site Teatrojornal.
O programa da peça pode ser baixado aqui.
Planejo ver a peça novamente, na estreia, neste sábado – com ingressos já esgotados, mas eu divulguei antes e quem segue o blog teve a chance de resgatar o seu: de qualquer forma, há outras sete sessões.
Sinto que preciso dessa segunda experiência para me sentir mais confortável ao emitir um julgamento. A atuação de Nicole Cordery (natural de Niterói), no papel título, é estupenda, não resta dúvida. O resultado do trabalho na mesa de corte é estimulante. Está tudo bem resolvido. É Medeia. Só que desconfio não ter me identificado muito com o texto. Se for esse o caso, nem mesmo uma segunda vez vai resolver. Isso não quer dizer que você não deva ver.
Renata Cazarini
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