MATA TEU PAI: REENCONTRO


Débora Lamm


Mata teu pai
Sesc Pompeia (SP)
Temporada: 31 ago./1º set. 2024.
Assisti em 31 ago. 2024

Certos encontros, quando acontecem, escancaram janelas. Eu deveria falar de um encontro com pessoas, mas prefiro não personalizar e falar de um (re)encontro com uma dramaturgia. Foi a quarta (quinta!) vez que vi “Mata teu pai”, peça de Grace Passô sobre o mito de Medeia. Eu a vi em 2017, na sua primeira montagem para o palco, duas vezes, no Rio e em São Paulo. Em 2020, eu a vi on-live na programação especial do Sesc São Paulo durante a pandemia de covid-19. Em 2022, vi a segunda versão da trilogia, uma ópera-balada com a cantora Assucena e um elenco trans. Agora vi a nova versão da montagem para o palco, com a atriz Débora Lamm, na celebração dos 15 anos da Cia Omondé no Sesc Pompeia, em São Paulo.

Mata teu pai (31/8/2024)

Antes de tudo, o palco montado com uma mesa e microfone, cadeiras ao fundo onde Débora se sentava, no escuro. Estranhei a mesa e o microfone. Não tinha sido assim antes. O Coro de nove mulheres entra pela frente do palco, mas não é o mesmo da primeira montagem, nem tão intenso. Ok. Algo profundo acontecia aqui. O livro físico, exemplar editado pela Cobogó, tornava-se um objeto cênico, manipulado constantemente pela protagonista, que dele lia longos trechos da peça. Primeiro, pensei que, talvez e só talvez, como são apenas dois dias de apresentações dentro das comemorações e a peça já havia tido sua carreira nos palcos, o texto escapasse da memória da atriz. Só que não, porque, afinal, outros trechos vieram sem leitura.

Crédito: Márcia Marques Novaes

Com menos movimentação cênica, o texto cresce. A dramaturgia de “Mata teu pai” é robusta -  este é um adjetivo apropriado. Essa Medeia tem um compromisso social com as mulheres exiladas, e a sororidade que ela promove alcança até a nova esposa do seu marido infiel; ela cobra das mulheres que ajam contra o patriarcado e considera um ato de maternagem assassinar suas filhas, nós, a plateia, diante de nossa passividade. O maravilhoso é ver como o texto se sustenta e se revela em seus meandros poéticos na quase-leitura da montagem atual. A felicidade do encontro com essa dramaturgia que se repete mas não se esgota espantou por completo minha apreensão de ter ido ver a peça mais uma vez. De novo e renovada.

Inez Viana

A diretora Inez Viana agora entra em cena e lê junto com Débora um trecho que pode ainda virar dois, segundo ela mesma. Logo após a apresentação – enquanto eu aguardava o autógrafo de Lenise Pinheiro, fotógrafa celebrada da cena teatral brasileira, no exemplar do seu livro que documenta o Festival de Teatro de Curitiba, comprado ali mesmo na loja do Sesc Pompeia no calor do momento de tê-la visto pronta a registrar o espetáculo –, provoquei Inez Viana sobre a opção pela leitura, já como quem entende que o que se viu no palco era a intenção de projetar o texto teatral. E ela soltou uma frase preciosa: “A ideia era descolar a dramaturgia diretamente do livro”. Do objeto livro, digo, que ganha o merecido protagonismo.

Lenise Pinheiro autografando, com as cadeiras do Coro ao fundo

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