ANTÍGONA NA AMAZÔNIA foi à Finlândia e vai à Austrália. E o Brasil?

 

A montagem Antígona na Amazônia, sobre a qual já escrevi muito sem nunca a ter visto, chega à Austrália neste final de semana. E nada de Brasil. Seria do interesse do MST – que provocou e trabalhou com o NTGent e o diretor suíço Milo Rau – trazer a peça para o país como celebração dos 40 anos do movimento em 2024, só que as tratativas parecem ser mais difíceis do que se vê no circuito internacional. Isso foi o que me contaram, sem mais detalhes. A peça já passou por vários festivais europeus, incluindo a Finlândia no último final de semana. De lá, uma colaboração, logo abaixo.


A TRAGÉDIA DE SER BRASILEIRO

Assistir a Antígona na Amazônia é entrar em contato com a dor 
de se saber um Brasil que desqualifica sua gente

 Juliana Holanda, de Helsinque

Esbo Kulturcentrum. crédito: Juliana Holanda

Estou do lado de fora da sala de teatro e meu corpo treme. Não por causa dos 4 graus negativos que o termômetro marca nesta sexta-feira, 08 de março, final de inverno finlandês. Tremo por ter acabado de assistir a Antígona na Amazônia, peça que o NTGent trouxe, durante sua turnê pela Europa, ao Festival & Fest – Focus Gent, apresentado em Espoo, cidade a 20 km de Helsinque, capital da Finlândia.

Sou provavelmente a única brasileira na plateia. Pelo menos sou a primeira a rir no raro momento cômico de uma hora e meia de peça. Como acompanhamos o espetáculo pelas legendas em finlandês e inglês colocadas ao alto - que também me ajudam quando se fala belga em cena - absorvo a piada falada em português mais rápido que o resto dos presentes.

Foyer do Esbo Kulturcentrum. crédito: Juliana Holanda

E é com rapidez cortante que os golpes de realidade trágica de Antígona na Amazônia são desferidos nos espectadores. A peça multimídia de Milo Rau tem um efeito cênico potente. É metade documentário, metade peça alegórica, parte contação de história. O palco é compartilhado por quatro atores (dois brasileiros e dois belgas) que ora relatam sua experiência no projeto, ora contracenam com as imagens de atores amadores no telão que ocupa o palco de cima a baixo.

Na Finlândia. IG.

Do cenário minimalista composto de chão batido de terra (trazida do Pará, me pergunto?!), não posso deixar de notar as cadeiras brancas de plástico, tão conhecidas por nós brasileiros, mas tão desprovidas de intimidade simbólica para o público europeu. Assim como trabalhadores rurais sem terra, indígenas e grupos minoritários trazidos ao palco, as [pobres] cadeiras de plástico integram naturalmente o cenário brasileiro, mas ficam invisíveis e desqualificadas na maior parte do tempo, a não ser quando nos incomodam.

Na Finlândia. IG.

Logo fica claro que Antígona na Amazônia é uma peça política. Conta a história do massacre de Eldorado dos Carajás a partir de três perspectivas: a do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a do relato dos atores em cena e a do paralelo com a tragédia grega. “Não existe tragédia e vida real. Tudo é uma coisa só”, diz o texto.

O massacre, quando militantes do MST foram mortos por policiais militares durante uma manifestação, foi reencenado pelos atores e sobreviventes no ano passado (2023) na BR-155, onde ocorreu. As imagens documentais do ato cênico são projetadas no palco numa contra-encenação presencial.

Numa cena em que se pensa “só podia ser no Brasil”, policiais militares de 2023 tentam parar as filmagens, enquanto assistimos da plateia às negociações para que o ato aconteça. Na metalinguagem da tragédia da vida real, os policiais atuais assistem ao vivo à recriação do massacre de 28 anos atrás.

O que eles pensam como espectadores? – nos perguntamos.

Não tem como saber, mas o que penso é: como dói ver como somos violentos no Brasil.

E o que os europeus pensam dos relatos em cena? – me pergunto.

Só sei que aplaudiram o espetáculo de pé, numa rara demonstração de entusiasmo para uma plateia finlandesa.

“A violência nos deixou loucos”, diz o Coro, que, no teatro clássico, é usado para personificar o coletivo e, aqui, é representado por integrantes do MST. 

Foyer do Esbo Kulturcentrum. crédito: Juliana Holanda

Sabe-se que a montagem de Milo Rau passou por mudanças de elenco (leia aqui e aqui). Então, deixo o registro sobre a versão apresentada na Finlândia. Em cena, Antígona é interpretada pelo ator brasileiro Frederico Araújo, em vídeo, pela ativista indígena e atriz Kay Sara. Sobre a ausência de Kay Sara no palco, explica-se em cena que ela decidiu que as gravações seriam seu último trabalho fora de sua comunidade indígena.

Para mim, que no dia anterior tinha assistido a uma produção finlandesa-uruguaia sobre colonialismo e devastação ambiental, a maior potência de Antígona na Amazônia está justamente na ocupação de corpos brasileiros no palco, mesmo que em vídeo. Os corpos no palco – presentes, mortos e não enterrados – Polinices, Oziel Alves ou Marielle.

Ao contrário da peça uruguaia, Antígona na Amazônia traz para a cena os rostos dessa história que, na Finlândia ou no Brasil, não sabemos ao certo que aparência têm. A violência com que são tratados é a violência que me fez tremer.

Uma peça necessária para rodar o mundo. Mas, principalmente, o Brasil.


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