MEMÓRIAS DO MAR ABERTO: MEDEIA CONTA SUA HISTÓRIA

 


Texto: Consuelo de Castro
Direção: Reginaldo Nascimento
Diretora assistente: Amália Pereira
Elenco: Roberta Collet (Medeia), Felipe Oliveira (Jasão), Haroldo Biachi (Creonte), Joca Sanches (Amo), Rodrigo Ladeira (Apsirto)
Desenho de espaço cênico e sonoplastia: Reginaldo Nascimento
Cenário e figurino: Chris Aizner
Desenho de luz: Wagner Pinto
Produção executiva: Amália Pereira
Direção de produção: Reginaldo Nascimento
Realização: Robert Collet
Local: Teatro Paiol Cultural – São Paulo – Rua Amaral Gurgel, 164 – Vila Buarque
Temporada: 17 fev. a 24 mar. 2024
Assistido em 17 fev. 2024 (estreia)
Duração: 90 min.
Ingressos: Sympla

Entrevista com o diretor e a protagonista neste link do YouTube.

SINOPSE

Versão livre do mito de Medeia, no texto da dramaturga brasileira Consuelo de Castro, a personagem Medeia toma o lugar de Jasão e chefia a expedição dos argonautas, não por amor a ele, mas pelo ideal de paz entre os povos do Ocidente e do Oriente. Na peça, ela é traída não só pelo amor de Jasão a uma outra mulher, mas por uma aliança política dele com o rei Creonte.

NOTA BENE

Bete Coelho é a Medeia de Consuelo de Castro no teatro-filme gravado durante a pandemia. Veja o que publiquei aqui no blog. Eu não tinha lido o texto da dramaturga brasileira. Agora, já li. A peça é de 1997, ano em que foi lida no auditório do jornal Folha de S. Paulo. Estreou em 2004 no Teatro da Caixa, em Brasília, depois, foi encenada em São Paulo. Na Enciclopédia Itaú Cultural há um bom texto sobre Consuelo de Castro, porém muito desatualizado quanto às montagens de suas peças.

Cássio Scapin como Jasão e Leona Cavalli como Medeia, em 2004. Crédito: Lenise Pinheiro

Portanto, ficam dois registros adicionais: 5 mar. a 4 abr. 2004, no Teatro Sérgio Cardoso, na capital paulista, sob a direção de Regina Galdino com Leona Cavalli como Medeia; 16 a 26 ago. 2018, no Teatro Martim Gonçalves, na capital baiana, sob a direção de Letícia Bianchi, com Vivianne Laert como Medeia. Deve haver outras encenações desse texto.

COMENTÁRIO

Só tem uma mulher em cena: Medeia. A personagem Ama, típica das peças clássicas, é convertida em Amo pela dramaturga brasileira Consuelo de Castro (1946-2016) e conta com atuação masculina nesta produção, como prevê o texto. Embora a recriação dramatúrgica brasileira do mito grego inclua a rival de Medeia, chamada Glauce, numa breve participação, esta montagem a exclui do palco. Toda a força feminina fica, então, concentrada na protagonista Roberta Collet, e esse é um fardo pesado. Pesado demais.

Medeia: Roberta Collet na estreia @teatronuncaenfado

Vamos reconhecer: estreia não é fácil pro elenco, mas também não é pra plateia. Eu fui e quero contar como foi e fico aqui cheia de dedos pra explicar o que, pra mim, como frequentadora de teatro, está demais e o que está de menos. Tarefa ingrata e, talvez, injusta para comigo e para com a trupe. No final desta temporada – ou de uma segunda se houver – tudo pode estar diferente, melhor. O palco ensina.

O texto (1997) ainda não tem três décadas e, pra quem lida com teatro antigo, isto é ontem: pra algum desavisado, informo que a Medeia canônica, a tragédia de Eurípides, é do século V AEC (Antes da Era Comum). Não resta dúvida de que Consuelo de Castro escreveu no século XX teatro da Antiguidade clássica: tem monólogo de entrada, tem diálogo cortante, tem frases de efeito, entradas e saídas - bom, na verdade, não tem coro. O texto se sustenta e basta ver a entrega que Bete Coelho faz dessas linhas.

Há uma tensão constante, característica mais do que aguardada numa tragédia clássica, que dispensa, penso eu, uma trilha para instigar emoções na plateia. Silêncios seriam mais bem vindos. Mesmo o efeito das ondas do mar, já que Medeia está na nau Argo e o cenário é o Cais da cidade de Corinto, parece excessivo. Ou até possa ser ininterrupto, só que mais discreto.

Cenário: Argo @teatronuncaenfado

Também na cenografia, a dramaturga seguiu a convenção do teatro antigo de expor apenas áreas externas. Assim, não importa que o segundo cenário, além do Cais, seja o Palácio, especificamente, a sala do trono. Não importa, porque ela é caracterizada como outdoors: “Em volta, praia, lixo, o baldio”. O cenário desta produção segue as rubricas, cumpre bem sua função e desperta interesse pelos detalhes, como o baú que guarda o vestido feito de ouro e destinado a incinerar Glauce.

Cenário: Sala do trono @teatronuncaenfado

Os figurinos são curiosos: o manto do fantasma de Apsirto, irmão que Medeia matou ao fugir para o Ocidente com o príncipe grego Jasão, furtando o velo de ouro, é usado proveitosamente envolvendo a irmã delirante; a capa do rei Creonte é manipulada em volta do trono, bem como sua coroa é polida por ele, numa tentativa de reafirmação do seu poder político, fragilizado pela peste e pela rebelião que se organiza sob o comando de Medeia, incitada pelo Amo, o cuidador dos filhos do casal desfeito. A morte dos meninos acontece, fora de cena, mas o enredo de Consuelo de Castro subverte o mito. Vai ver. Vai ler. Aqui não vou dar spoiler.

Rodrigo Ladeira como Apsirto @teatronuncaenfado

O público, que não lotou o teatro, mas estava em bom número, manteve-se interessado. Um ou outro momento em que o texto busca romper a tensão mostrou a plateia conectada e reagindo, como quando Creonte, rei de Corinto, um “déspota não esclarecido” diz (e não vou perder esta oportunidade de riso) sobre a aliança política da maga e princesa da Cólquida Medeia e a trupe teatral de Téspis [alusão ao primeiro ator do teatro grego]: “Juntou o lixo com a porcaria, a mentira com o fingimento. Se ator é gente que não presta, que dirá em conluio com a feitiçaria!”. Todo mundo sabe, né, que teatro é a melhor feitiçaria.

Teatro Paiol Cultural: plateia na estreia @teatronuncaenfado

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