“HÉCUBA” de Eurípides - LEITURA DRAMÁTICA


Direção: Anita Mosca
Elenco: Tereza Virgínia, Guilherme Mello, Alice Mesquita
Músicos: Júlio Guatimosim, Marcos Vinício Alves
Local: Auditório 2003 (FALE-UFMG), em Belo Horizonte, MG
Data: 29.11.19


Colaboração de Tereza Virgínia*


O espetáculo é fruto de um projeto de pesquisa intitulado “Tradução e (des)colonização”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). A investigação visa à tradução, numa construção em língua portuguesa “abrasileirada”, de tragédias áticas, bem como à apropriação do texto de chegada, na contemporaneidade, como exercício democrático de diálogo em sala de aula e para além dos limites acadêmicos, como expansão da cultura produzida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Pensando nos mecanismos pelos quais a expressão verbal pode se tornar um instrumento de discriminação, propomos uma tradução de “Hécuba” comprometida com a superação de preconceitos e com o alargamento de horizontes culturais para todos.[1]

Uma vez que pretendemos, em nossas traduções descolonizadas, contemplar o Brasil em toda a sua heterogeneidade e representá-lo de forma democrática, há na tradução que se ouve nessa leitura dramática, o registro de vários falares brasileiros: o das elites (lugar-comum nas traduções de tragédias), o das gentes mais comuns e o dos mais desfavorecidos, se tais falares forem compatíveis com a escrita registrada no grego e se o texto assim o comandar. A voz de Eurípides é ouvida obedientemente e democraticamente, negociamos com ele a partir de nossa realidade material, linguística e cultural.

[1] A visão preconceituosa dos fenômenos da língua, no entendimento de Marcos Bagno, trata, por exemplo, a modificação do L em R nos encontros consonantais, como se dá em Cráudia, Creusa, probrema, chicrete, broco, pranta, de “atraso mental”; a pessoa que fala (ou escreve) assim é estigmatizada e, frequentemente, nas salas de aula (e nas performances artísticas, políticas e sociais), considerada incapacitada ou preterida; isso é patente, inclusive, em grupos supostamente mais abertos como o artístico. “Ora, estudando cientificamente a questão, é fácil descobrir que não estamos diante de um traço de ‘atraso mental’ dos falantes ‘ignorantes’ do português, mas simplesmente de um fenômeno fonético que contribuiu para a formação da própria norma-padrão da língua portuguesa. (...) Se fôssemos pensar que as pessoas que dizem Cráudia, chicrete e pranta têm algum ‘defeito’ ou ‘atraso mental’, seríamos forçados a admitir que toda a população da província romana da Lusitânia também tinha esse mesmo problema na época em que a língua portuguesa estava se formando. E que o grande Luís de Camões também sofria desse mesmo mal, já que ele escreveu ingrês, pubricar, pranta, frauta, frecha na obra que é considerada até hoje o maior monumento literário do português clássico, o poema “Os Lusíadas”. (Marcos Bagno, Preconceito Linguístico, 2008, p. 57-58). O metaplasmo certo, na hora certa, é um trunfo na escrita, bem o detectou Guimarães Rosa ao potencializá-los na escrita do “Grande Sertão: veredas”.

* Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa é professora titular de língua e literatura grega na Faculdade de Letras e é professora de teatro na Escola de Belas Artes (UFMG). É diretora de Tradução da Trupe de Tradução e Encenação de Teatro Antigo (Truπersa). Coordenadora do Grupo de Tradução de Teatro (GTT-CNPq). Bolsista de Produtividade do CNPq. Pesquisador Fapemig no âmbito do Programa Pesquisador Mineiro (PPM).



Galeria de fotos da leitura dramática de Hécuba