A “ANTÍGONA” DE AMIR HADDAD E ANDREA BELTRÃO
Zelia de Almeida Cardoso*
De 11 de
maio a 18 de junho foi encenado no Sesc Consolação (SP) o monólogo “Antígona”,
dirigido por Amir Haddad com Andrea Beltrão no papel-título. Baseado em
tradução da tragédia homônima de Sófocles, realizada por Millôr Fernandes, o
monólogo se une a outros dez espetáculos inspirados nas antigas tragédias
clássicas que foram apresentados ou reencenados em teatros de São Paulo, no
primeiro semestre de 2017.
Desses
espetáculos, um trouxera à cena as figuras de Antígona, Medeia e Electra,
responsáveis por três falas justapostas; cinco se basearam no Prometeu de
Ésquilo; dois na Medeia e um nas Bacantes, de Eurípides; um na própria
Antígona, de Sófocles, tendo “fechado” o semestre a encenação do monólogo sobre
o qual passamos a tecer algumas considerações.
A “Antígona”
de Amir Haddad e Andrea Beltrão chegou ao Teatro Anchieta depois de ter passado
com sucesso por outros palcos. Mais do que uma adaptação é uma verdadeira
recriação dramatúrgica que parte de um texto-base – a tragédia original, de
incontestável beleza cênica – e alça seu voo para recontar não só o que diz a
obra sofocliana, mas toda a história pregressa que envolveu a amaldiçoada
família dos labdácidas.
Numa
narrativa minuciosa a atriz ao assumir a fala justapõe episódios marcados por
grande tragicidade e fala de numerosos personagens presentes em diversos mitos
que têm alguma relação com a vida de Édipo e, por conseguinte, com a vida de
Antígona e de seus irmãos.
Ao discorrer
sobre os fatos, ela assume a personalidade e o discurso de cada um dos
personagens citados, trabalhando com a caracterização dos mesmos por meio de
inflexões de voz e da utilização de alguns poucos acessórios de vestuário que
se acrescentam a um figurino básico e simples mantido por todo o tempo da
representação.
Tudo é
despojado, aliás, na encenação. Assim como o vestuário, o cenário é
extremamente simples, compondo-se apenas de um pequeno gabinete, de uma cadeira
e de uma espécie de “mural” formado por tabuletas com os nomes dos personagens
citados, ligadas por linhas indicativas que contribuem para a formação de uma
árvore genealógica cuja função é orientar e esclarecer o espectador, na
compreensão das relações míticas e familiares.
Dois
elementos são fundamentais na avaliação do espetáculo: a densidade de muitos
dos pensamentos expressos e a atuação da atriz. As principais ideias afloradas
relacionam-se com questões universais e atemporais como as tensões entre o
divino e o humano, os conflitos entre as leis dos deuses e dos homens, o papel
das tradições religiosas, o sentido do castigo e da morte, a angústia, a
justiça, o poder.
Quanto ao
desempenho de Andrea Beltrão, a crítica tem sido unânime em focalizar sua
imensa capacidade de comunicação e a doação que faz de sua própria pessoa na
encarnação dos numerosos personagens que assume. Nada mais justo, portanto, que
sua indicação para o Prêmio Cesgranrio de Teatro como candidata ao prêmio de melhor atriz do primeiro semestre do corrente ano.
*Zelia de Almeida Cardoso é Professora Sênior da USP (FFLCH-USP), líder do Grupo de Pesquisa “Estudos sobre o Teatro Antigo” (CNPq-USP), sócia honorária da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (Sbec), licenciada em Letras Clássicas, doutora em Letras e livre docente em Literatura Latina.