ANTÍGONE NA AMAZÔNIA: um chamado à resistência


Milo Rau, diretor do NTGent, teatro na cidade de Gent, na Bélgica, montou “Orestes in Mosul” em 2019, levando a mitologia grega para a cidade iraquiana que foi capital do Estado Islâmico, e agora localiza Antígone na Amazônia brasileira com uma peça que estreia na Europa em 17 de abril de 2021. O teatro de Gent, onde Milo Rau é diretor artístico, retoma as atividades no primeiro final de semana de outubro – e cheio de opinião. No começo do mês, foi divulgada a programação pós-pandemia e a ideia NÃO é voltar aos negócios como antes, mas desacelerar as atividades humanas em todo o planeta. 


Sobre o encenador-dramaturgo e seu manifesto teatral, veja este post. Para saber como anda o pensamento de Milo Rau agora, vale ler entrevista concedida ao jornal italiano la Repubblica, publicada em 18 de abril, da qual extraí uns trechos:  


“Depois do Corona não podemos continuar como antes. Para a temporada 2020-2021, não precisamos de 1.000 adaptações de Shakespeare, Tchekhov ou Camus. Precisamos de novos clássicos globais, precisamos da verdadeira solidariedade estética e econômica com o hemisfério sul. (...) Uma nova arte para uma nova sociedade. 

(...) 

Antes de tudo devemos compreender que nossa situação não é dramática, é trágica. Em outras palavras, o sistema em que vivemos não pode mais ser reparado. É completamente disfuncional, é uma máquina condenada, que precisa ser substituída por outro sistema – e estamos assumindo essa responsabilidade agora. Mas antes de tudo temos que reativar o que se pode chamar de “modo trágico de pensar”.  (...) A tragédia é a arte da responsabilidade humana, é a aceitação de que se tem que agir sem saber no que vai dar. 

(...) 

Essa era a regra da tragédia clássica, o destino de Édipo: você pode ter se acertado com o passado, mas o passado não se acertou com você. Temos que pagar o preço do que fizemos ao planeta nas últimas gerações. (...) Temos que compreender isso. E então temos que responder a isso de um modo solidário, democrático e global. Na vida e na arte. No teatro”.


“PARE DE SER COMO CREONTE! VAMOS SER COMO ANTÍGONE!”


Milo Rau ensaiava no Brasil quando chegou a Covid-19. A programação foi alterada. A peça “Antígone na Amazônia” (Antigone in de Amazone) reelabora o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996, quando 19 trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados na violenta repressão policial a uma marcha de protesto do MST na BR 155 em direção a Belém. Alguns dos 67 sobreviventes compõem o coro e a atriz indígena Kay Sara será Antígone. Uma encenação do massacre, prevista para 17 de abril de 2020, no local da ocorrência no Pará, foi adiada para novembro, mas ainda está sujeita a confirmação por causa das condições sanitárias no Brasil, segundo assessoria de imprensa do NTGent.


O mito de Antígone consagrado na peça homônima de Sófocles, de 472 a.C., tem como eixo o antagonismo entre o direito natural e as leis do Estado: entre a filha de Édipo e Jocasta, que realiza uma cerimônia fúnebre para o irmão Polinice, considerado inimigo de Tebas, e o novo rei e seu tio, Creonte. A peça de Milo Rau retoma alegoricamente esse mito confrontando as tradições indígenas e a devastação da floresta pela agropecuária no Brasil, além de denunciar as mortes anônimas, o que é tremendamente atual, vide os enterros em vala comum dos mortos pela Covid-19. 


No material de divulgação para a imprensa, Kay Sara afirma:

“Minha vida inteira cresci cercada de mulheres que fazem as coisas acontecerem. Num certo momento, entendi que as mulheres lutam suas batalhas e suas guerras sem mostrar o rosto. Agora é hora de proclamar nossa verdade. Nesta batalha, quatro mulheres vão falar através de mim – a figura de Antígone, eu como pessoa e artista, como mulher e como nativa”. 


O festival Wiener Festwochen, em Viena, na Áustria, receberia em 16 de maio, ao vivo, no teatro Burgtheater, Kay Sara como, supostamente, a primeira Antígone indígena, mas devido à pandemia o evento foi cancelado e substituído por uma sessão virtual com um discurso gravado pela atriz. Veja aqui o manifesto “Against Integration”, falado em português, seguido de uma sessão de debates sobre artes e política (em inglês).


Em janeiro de 2021, uma instalação de vídeo sobre a encenação do massacre no Brasil será exibida em Berlim, na exposição “School of Resistance”, que dá nome a uma série – já em andamento – de conversas online com artistas, intelectuais e cientistas para alimentar o debate sobre o pós-capitalismo, cuja primeira edição está no link acima. 


A montagem teatral, depois da estreia na Bélgica em 17 de abril, vai para a Holanda, a Suíça e a França no período que se estende até junho. Mais uma vez, como costuma fazer, Milo Rau reúne amadores e profissionais no elenco, locais e europeus. Além de Kay Sara, presencialmente estará o ator belga Arne De Tremerie, no papel de Hemon, filho de Creonte e noivo de Antígone. Segundo a divulgação do NTGent, o papel do vidente Tiresias fica com Zé Celso Martinez Correa, do Oficina Uzyna Uzona, gravado em vídeo. Também em vídeo, a atriz negra e ativista Gracinha Donato tem o papel de Ismene, irmã de Antígone. A atriz Célia Maracajá estará em vídeo. Celso Frateschi, do Teatro Ágora, em São Paulo, é Creonte (mas não está claro se apenas em vídeo).


Crédito: Armin Smailovic

Mais informações sobre a produção teatral, veja no site do NTGent.


O press kit com mais informações pode ser baixado aqui.


Comentários