MULHERES TECENDO HISTÓRIAS: AULA 6 [13.04.19]



Tula Pilar Ferreira não tinha um epitáfio seu no livro “Saideira: O livro dos epitáfios” (Pedra Papel Tesoura, 2018), organizado por Marcelino Freire e Joca Reiners Terron, que ganhei na sexta aula da oficina “Mulheres tecendo histórias”. Marcelino, cheio de verve, se despede assim da vida: “Minhocas, cheguei”. Se alguém quiser saber, o meu seria: “Vivi até quando deu”.




Tula Pilar (foto abaixo) morreu em 11 de abril, duas semanas antes dos seus 49 anos. A poeta mineira, radicada em São Paulo, publicou em 2004 o livro “Palavras inacadêmicas” e “Sensualidade de fino trato” em 2017. Era uma ativista dos saraus literários da periferia de São Paulo. Marcelino fez uma homenagem a ela na aula e destacou seu depoimento ao Museu da Pessoa, que pode ser visto aqui.


Como se por ironia, o assunto do sexto encontro era o diário das duas semanas anteriores de nossas vidas. A colega Sônia registrou em seu diário: “Tula Pilar foi versar com as estrelas”. Marcelino revelou que ama o “Diário de um gênio”, do pintor surrealista catalão Salvador Dalí (1904-1989). Relembrou que “Quarto de despejo” (1960), da mineira Carolina Maria de Jesus (foto abaixo) (1914-1977), é um diário da sua vida de favelada em São Paulo. Dela, pincelo esta frase: “Eu não consegui armazenar para viver, resolvi armazenar paciência”.




“O escritor trabalha com as esquinas dos textos”.
(Marcelino Freire)
Comentando nossa produção poética, que lemos durante o sexto encontro das “Mulheres tecendo histórias”, Marcelino falou sobre como a poesia cria uma imagem que tem um lugar, uma geografia. Os exercícios que temos feito de elaboração de listas, trazendo à tona o repertório de cada uma, nos conduzem às esquinas dos textos. Nessas esquinas não sabemos o que vamos encontrar. Qual será o próximo verso? Um mecanismo de criação poética é o de uma formulação que se repete, como exemplificado pelo texto de Bruna Beber:


ROMANCE EM 12 LINHAS
quanto falta pra gente se ver hoje
quanto falta pra gente se ver logo
quanto falta pra gente se ver todo dia
quanto falta pra gente se ver pra sempre
quanto falta pra gente se ver dia sim dia não
quanto falta pra gente se ver às vezes
quanto falta pra gente se ver cada vez menos
quanto falta pra gente não querer se ver
quanto falta pra gente não querer se ver nunca mais
quanto falta pra gente se ver e fingir que não se viu
quanto falta pra gente se ver e não se reconhecer
quanto falta pra gente se ver e nem lembrar que um dia se conheceu


A tarefa do diário do insólito desintegrou-se quando deixei de fazer o registro dia a dia. Nem mesmo pude resgatar na memória situações incomuns nos dias que se seguiam. Quando decidi executar a tarefa, não fui capaz de localizar informações a passar. Surgiram apenas questões, formuladas como perguntas, mas que seriam – melhor – exclamações, creio. Assim, surgiu o:


DesDIÁRIO DE UM INQUISIDOR
30 de março de 2019 – Quem passa fome hoje?
31 de março – Passa fome hoje quem passou fome ontem?
1º de abril – Quantas balas perdidas na madrugada?
2 de abril – Por que este corpo estendido no chão?
3 de abril – Dá pra dormir na rua toda noite?
4 de abril – Quanto tempo se aguenta ao relento?
5 de abril – Quem é que aguenta tanta ofensa?
6 de abril – De onde é que vem esse grito?
7 de abril – Por que ela apanha todo dia?
8 de abril – Quem distribui tanto ódio?
9 de abril – Como dar a outra face?
10 de abril – Quantas lágrimas você já contou?
11 de abril – Onde é que cabe tamanha dor?
12 de abril – Será que alguém aí me ouviu?


Para o próximo encontro, apenas em 27 de abril, parece que a tarefa é pouca. A cada uma das mulheres que estão a tecer histórias coube uma palavra que deve ser convertida numa frase, num verso, de forma que se revele o que é sem que seja o evidente que é. Assim: o Egito é sempre pirâmide ou pode ser cocô de camelo? A minha palavra é ILHA.