20% ou “ORESTES IN MOSUL”
Mesquita em Mossul: ator Johan Leysen e cinegrafista Daniel Demoustier
Antes da estreia, não se sabe ainda muito sobre a adaptação além do que está noticiado no site do NTGent. O elenco inclui o renomado ator belga Johan Leysen, profissionais e amadores europeus e iraquianos. Rau, Leysen, o dramaturgo Stefan Bläske e o cinegrafista Daniel Demoustier estiveram no Iraque em novembro buscando completar o elenco. Rau costuma utilizar audiovisual nas montagens, daí o cinegrafista. O processo de produção do espetáculo incluirá ensaios em Gent e em Mossul em março. No palco belga, a montagem, de duração não informada, será em diferentes línguas, com legendas em holandês e inglês. Veja a chamada de elenco sobre uma foto em que Leysen está em um bar ao ar livre em Mossul.
Nascido em Berna em 1977, Rau estudou Ciências Sociais e Letras em Paris, Berlim e Zurique. Foi aluno de Pierre Bourdieu e Tzvetan Todorov. Consta ter aprendido hebraico, grego e latim na adolescência e ter lido os clássicos. Tentou primeiro o cinema, em 2002, mas “o desastre total”, segundo ele mesmo, o levou ao teatro. Criou em 2007 o “International Institute of Political Murder” (IIPM), companhia de produção de teatro, filme e outras intervenções (social sculpture), voltada para as relações entre política e violência. Já recebeu várias premiações internacionais. Publicou livros. Em 2018, assumiu o NTGent. Tem sido tratado como “o mais influente”, “o mais interessante”, “o mais ambicioso” encenador. Leia mais (em inglês) no site do IIPM.
Milo Rau. Foto: Boris Horbat / AFP
Nutriu sua fama com a divulgação, em maio de 2018, de um manifesto sobre o teatro e o seu papel no “realismo global”. É com base nas 10 diretrizes do manifesto que ele vem dirigindo o NTGent – e com muita repercussão. O teatro informa na página oficial que “essas regras se aplicam a todas as áreas do nosso projeto ‘City Theatre of the Future’, desde questões de autoria, passando por questões de diversidade e inclusão até questões envolvendo as turnês”. O GHENT MANIFESTO é comparado ao DOGMA95, propalado pelo cineasta dinamarquês Lars von Trier em 1995. Consulte o texto original, em inglês, aqui.
As dez diretrizes são as seguintes (atente para a de número quatro):
1. Não se trata mais de apenas retratar o mundo. É sobre transformá-lo. O objetivo não é representar o real, mas fazer a própria representação real.
2. O teatro não é um produto, é um processo de produção. Pesquisa, castings, ensaios e debates relacionados devem ser acessíveis ao público.
3. A autoria cabe aos envolvidos nos ensaios e na encenação, qualquer que seja a função que tenham – e a ninguém mais.
4. A adaptação literal de clássicos no palco é proibida. Se um texto fonte – seja um livro, um filme ou uma peça – for usado no início do projeto, só poderá representar até 20% da duração total da encenação.
5. Pelo menos um quarto do tempo dedicado aos ensaios precisa acontecer fora de um teatro. Qualquer lugar em que uma peça tenha sido ensaiada ou encenada é um espaço teatral.
6. Cada produção terá que articular pelo menos duas línguas diferentes no palco.
7. Pelo menos dois dos atores no palco não podem ser atores profissionais. Animais não contam, mas são bem vindos.
8. A dimensão total do cenário não deve exceder os 20 metros cúbicos, isto é, precisa caber numa van que possa ser dirigida com carteira de motorista convencional.
9. Pelo menos uma das produções de cada temporada deve ser ensaiada ou encenada numa zona de conflito ou de guerra, sem qualquer infraestrutura cultural.
10. Cada produção precisa ser mostrada em pelo menos dez lugares em pelo menos três países. Nenhuma produção será excluída do repertório do NTGent antes de ter alcançado esse número.
FINALMENTE, creio ter ficado claro o título do post. 20%. É isso que cabe do clássico numa adaptação atual feita por um encenador em evidência. Milo Rau já falou e publicou sobre o seu projeto de uma dramaturgia que trata do trágico de hoje, crente na possibilidade da mobilização decorrente da ação teatral. As peças que serão encenadas na 6ª MITSP abordam a violência do mundo contemporâneo na modulação do trágico. Veja a programação aqui.1. Não se trata mais de apenas retratar o mundo. É sobre transformá-lo. O objetivo não é representar o real, mas fazer a própria representação real.
2. O teatro não é um produto, é um processo de produção. Pesquisa, castings, ensaios e debates relacionados devem ser acessíveis ao público.
3. A autoria cabe aos envolvidos nos ensaios e na encenação, qualquer que seja a função que tenham – e a ninguém mais.
4. A adaptação literal de clássicos no palco é proibida. Se um texto fonte – seja um livro, um filme ou uma peça – for usado no início do projeto, só poderá representar até 20% da duração total da encenação.
5. Pelo menos um quarto do tempo dedicado aos ensaios precisa acontecer fora de um teatro. Qualquer lugar em que uma peça tenha sido ensaiada ou encenada é um espaço teatral.
6. Cada produção terá que articular pelo menos duas línguas diferentes no palco.
7. Pelo menos dois dos atores no palco não podem ser atores profissionais. Animais não contam, mas são bem vindos.
8. A dimensão total do cenário não deve exceder os 20 metros cúbicos, isto é, precisa caber numa van que possa ser dirigida com carteira de motorista convencional.
9. Pelo menos uma das produções de cada temporada deve ser ensaiada ou encenada numa zona de conflito ou de guerra, sem qualquer infraestrutura cultural.
10. Cada produção precisa ser mostrada em pelo menos dez lugares em pelo menos três países. Nenhuma produção será excluída do repertório do NTGent antes de ter alcançado esse número.
Peça Reprise, na programação da MITSP
“Eu trabalho com uma dialética entre o ativismo e a substância mais trágica do mundo”.
“Gosto sempre de citar o filósofo italiano Antonio Gramsci, que afirma que existe o pessimismo da razão e o otimismo da vontade”.
“Dentre os formatos artísticos, o teatro, especialmente, não se resume a um produto, já que abrange um ininterrupto processo de produção cênica, do qual nunca se sabe qual será o desfecho. Por exemplo, a peça que ensaio neste exato momento [janeiro de 2019], intitulada ‘Orestes in Mosul’, trata-se de uma coprodução com Mossul, a cidade iraquiana. Não sabemos como será o resultado”.
“Fazer teatro é abrir um processo, iniciar uma discussão, criar uma espécie de novo coletivo, de nova solidariedade. E qual será o resultado? Não sei. Por isso, na maioria das vezes, não enceno clássicos. Para tentar escrever [as peças] no momento exato da criação”.
“Quanto mais envelheço, mais compreendo o quanto o otimismo e o pessimismo, a tragédia e o ativismo, estão vinculados. Sem a substância trágica do mundo, o ativismo torna-se apenas uma ingenuidade. Por outro lado, só o trágico, sem um traço de utopia, faria de mim, e de todos nós, cínicos. De fato, há uma dialética. Um precisa do outro”.
“Sinceramente, não estou sendo nada irônico ou cínico. Eu realmente acredito que a arte tem a força necessária para conseguir reunir pessoas em torno de uma realização, de uma mudança na percepção da realidade, ou até de uma efetiva mudança na estrutura, ou na situação política”.