MEMÓRIA DO TEATRO NA PANDEMIA: “SOPRO”
"Sopro" no Teatro Nacional D.Maria II. Foto: Filipe Ferreira
Os teatros estão fechados, mas não é que não aconteça nada teatral nestes tempos estranhos, muito estranhos. Tem lives de monólogos na íntegra ou parciais, tem peça gravada disponível em certas plataformas, tem live que vira peça gravada! Dá uma olhada nestes links. Alguma coisa vai te interessar.
Mas minha sugestão é agendar para sábado, 6 de junho, 17 horas, a live com o dramaturgo, ator e encenador português Tiago Rodrigues, depois de ter visto a peça “Sopro”, que está disponível na plataforma do Centro Cultural Fiesp.
A peça foi uma das primeiras vítimas culturais da pandemia. Estava programada para a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp) quando fecharam o Teatro do Sesi, na Avenida Paulista, em São Paulo, capital. Eu ia, só que não…
E o que tem essa peça a ver com o Palco Clássico? Nada e tudo. Diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, Tiago Rodrigues conheceu lá Cristina Vidal, que tem como profissão ser ponto, quer dizer, “soprar” as falas para os atores em caso de ocorrer um branco. Por meio da homenagem prestada à profissional, ligada há três décadas ao teatro lisboeta, o dramaturgo homenageia o fazer teatral e sua memória. E isso nos interessa muito.
A cena 16 de “Sopro” retoma a peça de Sófocles “Antígona” e – justamente ali – se revela a poética da ponto Cristina Vidal e da peça portuguesa, montada no Festival de Avignon, França, em 2017. Veja a crítica do jornal Le Figaro.
Eu tenho o livro autografado em que está publicado “Sopro” porque Tiago Rodrigues esteve no Brasil durante a MITsp 2020 atuando em outra peça sua, “By Heart”, essa encenada no palco do Teatro Faap. Mais, o dramaturgo fez uma série de encontros com inscritos selecionados na Oficina Cultural Oswald de Andrade em março, durante a MITsp 2020. Eu estava lá.
Tiago Rodrigues na Oficina OA
Em linhas bem gerais, o dramaturgo português, prestigiado no circuito internacional, diz que trabalha com princípios, não com uma metodologia, por um teatro que não é documental, mas altamente influenciado por ele: “Preciso da subversão do documentário com a ficção”. Opta por uma cenografia de economia de meios e por um contrato de codificação com o público. Ele acredita num teatro com poder de evocação, uma construção sobre o invisível e o incompleto, em que o público compactua com sua imaginação diante da presença dos atores, num processo de emancipação do espectador: “A ideia do contrato imaginário para mim é fundamental”.
Assim, o que se vê em “Sopro” é a proposta desse contrato num teatro de reminiscências.
PONTO: No teatro, respiramos todos o mesmo ar.
(...)
PONTO: As portas e as janelas do teatro estão fechadas. Respiramos o mesmo ar há séculos.
(...)
PONTO: Os atores, os técnicos, as personagens. Respiramos o mesmo ar.
(...)
PONTO: O ar que entra nos pulmões de Creonte é o mesmo que há vinte anos saiu dos pulmões de outro Creonte.
(...)
PONTO: Talvez seja por isso que voltamos às mesmas histórias.
(...)
PONTO: Respiramos o mesmo ar. Contamos as mesmas histórias.
(...)
PONTO: Cada um respira à sua maneira, mas o ar é o mesmo.
Reproduzo aqui o texto da Cena 16, que, na gravação de quase duas horas da peça, se encontra aos 57 minutos. Recomendo ver a peça na íntegra.
O teatro D. Maria II retomará os espetáculos em setembro. Por ora, fornece conteúdo na web.
Leia sobre como tiveram início os ensaios em teatros de Lisboa.