TEBAS LAND

Mito: Édipo
Texto: Sergio Blanco
Tradução: Esteban Campanela
Direção: Victor Garcia Peralta
Elenco: Otto Jr. e Robson Torinni
Idealização: Robson Torinni e Victor Garcia Peralta
Temporada: 09.11.18 a 21.12.18
Local: Oi Futuro Flamengo  | Rio de Janeiro (RJ)
Duração: 100 min.
16 anos
Assistido em: 25.11.18


TEMPORADA 2019
De 21 de janeiro a 26 de fevereiro
Às 2as e 3as, às 19 horas.
Teatro Firjan SESI

Sergio Blanco sobre sua dramaturgia e nosso “olhar impaciente”:

“O indivíduo do século XXI passou de um procedimento de leitura linear da realidade para um procedimento de decifração fragmentária, no qual seu olhar se tornou impaciente”. LEIA.

COMENTÁRIO

A autoficção no teatro de Sergio Blanco fica explícita em “Tebas Land”, quando S. (inicial de Sergio) se apresenta como um dramaturgo que, atendendo à encomenda de um espetáculo, prepara uma versão atualizada de Édipo ao escrever sobre um parricida que cumpre pena de prisão perpétua. Trata-se de uma peça sobre escrever a própria peça como diz o autor “La obra vá contando la propia escritura de la obra”. A investigação que Édipo conduz no texto sofocliano é substituída aqui pela dupla investigação que o dramaturgo conduz: tanto busca saber quem é esse parricida (chamado Martín), como saber que peça é essa que vai se construindo no palco enquanto vai sendo encenada. O espectador é cooptado nesse processo de fatura teatral e, assim, não é à toa que Sergio Blanco cita na entrevista do link acima “O espectador emancipado”, obra do filósofo Jacques Rancière (2008). ARTIGO DE RANCIÈRE


O personagem S. torna-se O. na montagem brasileira, tomando a letra inicial do nome do ator Otto Jr., que desempenha o papel do dramaturgo. Robson Torinni assume os papeis do próprio ator Robson e do seu personagem Martin. A figura do prisioneiro parricida é a que se destaca, mesmo se, talvez, estigmatizada. O laço emocional que O. estabelece com Martin alcança o espectador, e já não importa que o crime seja um parricídio, o pior dos crimes na Antiguidade. Se a culpa do Édipo mitológico é posta em xeque na peça, o prisioneiro não nega a sua própria culpa.

A cenografia é um ponto alto do espetáculo, com uma quadra de basquete encapsulada numa cela de cadeia, mas ela não se diferencia essencialmente de montagens em outros países, por exemplo, NA ESPANHA.

Thebes Land, foto de Alex Brenner

A peça estreou em 2013, em Montevidéu, cidade natal de Sergio Blanco. Ele relata em ENTREVISTA que o texto foi redigido em 2012, na França, onde mora, depois de ter visto uma quadra de basquete gradeada, e que começou a obra, então, a partir de um desenho. Daí, a relevância da cenografia constante nas diversas montagens. A versão inglesa da peça foi premiada com o  Award Off West End, melhor produção do circuito alternativo em Londres em 2016. Esteve no Brasil antes, no Festival de Curitiba em 2016, mas agora recebe a primeira montagem nacional, com um toque de brasilidade ao incluir na trilha sonora a canção “Quem é?”, de Agnaldo Timóteo. 

Outro ponto importante do relato da concepção da peça – e que retoma a diretriz da autoficção – é que ela foi uma encomenda do Teatro San Martín, de Buenos Aires, embora não tenha sido encenada ali como chegou a ser previsto. O texto de “Tebas Land” tem início com a explicação do personagem S. de que a peça decorre de uma encomenda feita ao dramaturgo. Na versão em português encenada atualmente, o personagem O. afirma que o instituto Oi Futuro é que fez a encomenda, o que exige um minuto para pensar até que o espectador se reconheça de imediato envolvido na autoficção: nem O. é o dramaturgo, nem o Oi Futuro fez a encomenda. Mas esse tipo de dispositivo é o ferramental usado por Sergio Blanco também em “A ira de Narciso”. Veja o post.

Afinal, em que consiste a autoficção? Na mentira ou na verdade? Trata-se de um pacto da mentira, ao contrário do suposto pacto da verdade que sustenta a autobiografia, argumenta Sergio Blanco. Ele endossa o que diz a personagem Soledad Frugone, da peça “El bramido de Düsseldorf”:

Soledad Frugone: Sergio es un dramaturgo que vive en París y que desde hace años escribe obras como estas que son autoficciones. Él las define como un cruce entre relatos reales y relatos ficticios. Muy seguido, Sergio dice que la autoficción es el lado oscuro de la autobiografía y que ahí en donde hay un pacto de verdad, como es el caso de la autobiografía, en la autoficción hay un pacto de mentira. […] En varias de sus conferencias en donde habla de la autoficción, muchas veces le escuché decir esto que creo que es algo que define a Sergio: «No escribo sobre mí porque me quiera a mí mismo, sino porque quiero que me quieran».
Que fique claro que “Tebas Land” não é uma adaptação em nada convencional do mito de Édipo, ainda que o tema seja abordado claramente na peça, que a trama da peça de Sófocles seja tratada, que a leitura do texto apareça como um ato redentor no final. “Tebas Land” é sobre o fazer teatral, é sobre amar o teatro e as relações humanas que ele promove. É sobre a diferença entre apresentar uma história e representar uma história, mas é também sobre reconhecer – ou ironizar – a insignificância do teatro diante da vida e da morte. Há quem prefira o cemitério ao teatro!

(Renata Cazarini)