2019 terá MEDEAMATERIAL


O dramaturgo Heiner Müller (1929-1995), que já conquistou cabeças e mentes nos palcos brasileiros, paulistanos em particular, será encenado em janeiro pela Cia. Mundana, dentro do projeto ambicioso de abordar o teatro pelas suas formas, cores, volumes, sons e luzes. O projeto Cia. Mundana +, instalado no Sesc Pinheiros, em São Paulo, inclui duas performances: “Máquinas do mundo” e “Medeamaterial”.

Quem foi ver “Máquinas do mundo” (em cartaz só até 8 de dezembro) sabe que a experiência é mesmo multissensorial, imersiva, transcendente até. O poema “A máquina do mundo”, de Carlos Drummond de Andrade, é lido em off e correlacionado com excertos de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “A paixão segundo G.H.”, de Machado de Assis e Clarice Lispector, respectivamente.

“Diferentemente de uma teatralização de textos literários, no entanto, ‘Máquinas do mundo’ busca a zona de contágio entre a literatura, o teatro e as artes visuais. (...) As linguagens das diferentes artes são assumidas como ‘máquinas de dar a ver’ (ideia que está na origem da palavra ‘theatron’), buscando-se diminuir a distância entre narrativa e plasticidade, ação e instalação, visando uma dramaturgia visual em que o teatro, as artes visuais e os textos literários possam se combinar numa só máquina de ver mundos”, conforme consta do programa.


E o que será, então, de “Medeamaterial”?

Integrado à trupe está o diretor Márcio Aurélio, veterano encenador de Heiner Müller. Se o dramaturgo alemão estreou no Brasil pelas mãos de Gerald Thomas, em 1986, com “Quarteto”, foi Márcio Aurélio que colocou em cena “Hamlet-máquina” em 1987, “Filoctetes”, “Horácio” e “Mauser” em 1988, assim como “A missão” em 1989. Veja detalhes.

Heiner Müller esteve no Brasil em 1988. “Medeamaterial”, texto de 1983, estreou por aqui em 1990, com direção de Gabriel Villela, no Teatro Ruth Escobar, numa produção que incluiu “Quarteto” e foi batizada de “Relações perigosas”. A atriz Ruth Escobar fazia, então, as duas protagonistas femininas Merteuil e Medeia. Veja a capa e a contracapa do programa:



Em 1993, Márcio Meirelles montou em Salvador e levou para São Paulo a sua encenação do texto de Heiner Müller. Veja fotos do espetáculo.

Para o teatro de Heiner Müller, dramaturgo da antiga Alemanha Oriental, não houve muro nem fronteiras. Sucedendo Bertolt Brecht no teatro Berliner Ensemble, não se limitou à peça didática e avançou por um caminho da fragmentação dramatúrgica que o empurrou para lá do dramático, no campo do pós-dramático, segundo Hans-Thies Lehman (Teatro pós-dramático, 2007, passim). Tal fragmentação se sustenta na colagem de excertos, é plena de alusões, carente de linearidade. A chamada “estética do fragmentário”, como esclarece Ruth Röhl, está vinculada à crítica do progresso (O teatro de Heiner Müller, 1997, p.9): “A montagem moderna de fragmentos é vista como reflexo da desordem real, permitindo uma visão crítica da totalidade”. Segundo Wladmir Krysinski (apud Röhl, 1997, p. 22), Müller “reescreve o teatro visto como arqueologia das enunciações mitopoéticas sobre o ser humano imerso nos mitos e nas voltas com a violência”. A Segunda Guerra Mundial, o nazismo e o stalinismo foram sempre referências para o dramaturgo e encenador alemão. A sua estética do fragmentário é coordenada com o grotesco que emana de seus textos, e não é diferente em “Medeamaterial”. Só o trecho inicial da peça, intitulado “Margem abandonada”, é uma cena descritiva de um locus horrendus, o que é material sobejo para a instalação cenográfica que a Cia. Mundana se propõe a fazer.

Programação no Sesc Pinheiros:

Medeamaterial (peça): 10-12, 17-19, 24-26 de janeiro às 20h30
Instalação cenográfica: 11 de dezembro a 27 de janeiro
Encontro de Márcio Aurélio com Heiner Müller: 19 de janeiro às 15h00
Encontro com o público: 24 de janeiro após a apresentação

(Renata Cazarini)