2019 terá MEDEAMATERIAL
Quem foi ver “Máquinas do mundo” (em cartaz só até 8 de dezembro) sabe que a experiência é mesmo multissensorial, imersiva, transcendente até. O poema “A máquina do mundo”, de Carlos Drummond de Andrade, é lido em off e correlacionado com excertos de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “A paixão segundo G.H.”, de Machado de Assis e Clarice Lispector, respectivamente.
“Diferentemente de uma teatralização de textos literários, no entanto, ‘Máquinas do mundo’ busca a zona de contágio entre a literatura, o teatro e as artes visuais. (...) As linguagens das diferentes artes são assumidas como ‘máquinas de dar a ver’ (ideia que está na origem da palavra ‘theatron’), buscando-se diminuir a distância entre narrativa e plasticidade, ação e instalação, visando uma dramaturgia visual em que o teatro, as artes visuais e os textos literários possam se combinar numa só máquina de ver mundos”, conforme consta do programa.
E o
que será, então, de “Medeamaterial”?
Integrado
à trupe está o diretor Márcio Aurélio, veterano encenador de Heiner Müller. Se
o dramaturgo alemão estreou no Brasil pelas mãos de Gerald Thomas, em 1986, com
“Quarteto”, foi Márcio Aurélio que colocou em cena “Hamlet-máquina” em 1987,
“Filoctetes”, “Horácio” e “Mauser” em 1988, assim como “A missão” em 1989. Veja detalhes.
Heiner
Müller esteve no Brasil em 1988. “Medeamaterial”, texto de 1983, estreou por
aqui em 1990, com direção de Gabriel Villela, no Teatro Ruth Escobar, numa
produção que incluiu “Quarteto” e foi batizada de “Relações perigosas”. A atriz
Ruth Escobar fazia, então, as duas protagonistas femininas Merteuil e Medeia.
Veja a capa e a contracapa do programa:
Em
1993, Márcio Meirelles montou em Salvador e levou para São Paulo a sua
encenação do texto de Heiner Müller. Veja fotos do espetáculo.
Para o teatro de Heiner Müller,
dramaturgo da antiga Alemanha Oriental, não houve muro nem fronteiras.
Sucedendo Bertolt Brecht no teatro Berliner Ensemble, não se limitou à peça
didática e avançou por um caminho da fragmentação dramatúrgica que o empurrou
para lá do dramático, no campo do pós-dramático, segundo Hans-Thies Lehman
(Teatro pós-dramático, 2007, passim). Tal fragmentação se sustenta na colagem
de excertos, é plena de alusões, carente de linearidade. A chamada “estética do
fragmentário”, como esclarece Ruth Röhl, está vinculada à crítica do progresso
(O teatro de Heiner Müller, 1997, p.9): “A montagem moderna de fragmentos é
vista como reflexo da desordem real, permitindo uma visão crítica da
totalidade”. Segundo Wladmir Krysinski (apud Röhl, 1997, p. 22), Müller
“reescreve o teatro visto como arqueologia das enunciações mitopoéticas sobre o
ser humano imerso nos mitos e nas voltas com a violência”. A Segunda Guerra
Mundial, o nazismo e o stalinismo foram sempre referências para o dramaturgo e
encenador alemão. A sua estética do fragmentário é coordenada com o grotesco
que emana de seus textos, e não é diferente em “Medeamaterial”. Só o trecho
inicial da peça, intitulado “Margem abandonada”, é uma cena descritiva de um
locus horrendus, o que é material sobejo para a instalação cenográfica que a
Cia. Mundana se propõe a fazer.
Programação no Sesc Pinheiros:
Medeamaterial (peça): 10-12,
17-19, 24-26 de janeiro às 20h30
Instalação cenográfica: 11 de
dezembro a 27 de janeiro
Encontro de Márcio Aurélio com
Heiner Müller: 19 de janeiro às 15h00
Encontro com o público: 24 de
janeiro após a apresentação
(Renata Cazarini)