ÍTACA, NOSSA ODISSEIA I
Mito: Odisseu
Dramaturgia: escrita
a partir de Homero “e outras inspirações”
Criação e
direção: Christiane Jatahy
Temporada: 26.07 a
05.08.18
Local: Sesc
Consolação/São Paulo (SP)
Elenco: Cédric
Eeckhout, Isabel Teixeira, Julia Bernat, Karim Bel Kacem, Matthieu Sampeur,
Stella Rabello
Duração: 120 min.
Assistido
em:
26.07.18
NOTA BENE:
A estreia mundial aconteceu em 16 de março de 2018
no Ateliers Berthier de Odéon – Théâtre de l’Europe, em Paris. Foi encenada também
no Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa.
“Le
text d’Homère est ici comme un palimpseste, sur lequel Christiane Jatahy et ses
six extraordinaires comédiens écrivent leur propre texte – un texte qui,
pourtant, ne peut existir que parce que celui de l’auteur grec a existé, el
parce qu’il est à la source de notre civilisation et de nos représentations
imaginaires. Mais tout prend un tour on ne peut plus vivant et concret dans ce
théâtre de Christiane Jatahy qui, depuis qu’on lá découvert, en 2014, avec ‘Julia’,
d’après Strindberg a fait viellir d’un coup une bonne partie de ce qui se
produit en Europe”. (Fabianne Darge – Le Monde)
"O
texto de Homero é aqui como um palimpsesto, no qual Christiane Jatahy e seus
seis extraordinários atores escrevem seu próprio texto - um texto que, no
entanto, só pode existir porque o do autor grego existiu, e porque é a fonte de
nossa civilização e nossas representações imaginárias. Mas tudo faz um passeio
que não se pode mais vivo e concreto neste teatro de Christiane Jatahy que,
desde que nós a descobrimos, em 2014, com ‘Julia’, adaptacão do texto Senhorita
Julia de Strindberg fez envelhecer uma grande parte do que ocorre na
Europa". (Fabianne Darge – Le Monde) [tradução de press release do Sesc
SP)
Sobre a cenografia:
A
partir de dois pontos de vista complementares dessa história, o público vê, em
ordens diferentes, o lado de Ítaca e o lado da travessia para chegar a Ítaca,
até que uma grande transformação cenográfica reúne todos no mesmo espaço. O
cenário criado por Christiane Jatahy e Thomas Walgrave (artista belga que
inicia, nesse projeto, uma parceria criativa com Christiane Jatahy), tem um
efeito direto nos corpos dos atores e na relação com o público. (divulgação)
Comentário
A
violência é constante no palco, ou melhor, nos palcos de “Ítaca – Nossa
Odisseia I”, criação e direção de Christiane Jatahy. Três momentos são
resgatados do enredo homérico: a estadia de Odisseu com Calipso, a ocupação do
palácio pelos pretendentes de Penélope, o reencontro de Penélope e Odisseu.
Aliás, uma vez mais, tudo deveria estar no plural porque os dois trios de
atores e de atrizes desempenham coletivamente cada um dos papéis, isto é, os
três homens são Odisseus assim como as três mulheres são Calipsos e Penélopes a
seu tempo.
Numa conversa com a diretora artística do Teatro São Luiz, de
Lisboa, Aida Tavares, a encenadora brasileira fez o seguinte comentário:
“Multiplicar para humanizar. No sentido de entender o que nos aproxima em vez
daquilo que nos diferencia, mais uma vez. Nesta primeira “Odisseia”, Ulisses e
Penélope multiplicam-se em três; na segunda parte desse díptico, que vai
estrear no Sesc São Paulo em 2019 e que se chama ‘O Agora que demora’, vão
multiplicar-se em muitos, em todos... Serão espetáculos independentes, apesar
de complementares, mas não será uma continuação, é mesmo uma outra abordagem”.
No espetáculo em cartaz no Sesc Consolação, o chamado “ginásio
verde” foi preparado como se fosse o teatro do Sesc Pompeia, com um palco
central e duas plateias, porém, na maior parte do tempo, vê-se com clareza
apenas metade de tudo o que está sendo encenado simultaneamente. Dependendo de qual das plateias em que você se encontra, assiste primeiro ou à agonia de Calipso
prestes a perder Odisseu, num amor repleto de agressividade, ou à reação
nervosa de Penélope contra seus pretendentes predadores. No desfecho da peça,
ambos os lados do teatro se encontram, tal como acontece no encontro dos
Odisseus e das Penélopes. Nesse momento, é suspensa a vasta cortina de fios, em
que se projetam imagens de vídeo ao vivo e as legendas (a peça é bilíngue:
francês-português), que divide o palco em palcos, mas que deixa, durante todo o
espetáculo, tanto transparecer sombras como fluir as vozes da encenação
concorrente, aquela que não se vê.
Embora o amor seja invocado com frequência, é a violência, a
agressão, a intolerância que domina esse palco cindido até o fim, inundado de
rancor e de água, que não lava nada, não lava o preconceito nem a mágoa. A
condição do estrangeiro é um eixo fundamental nessa montagem, muros que se
erguem, barcos de refugiados que naufragam, mas também as eleições deste ano no
Brasil são referidas. Odisseu não é um herói, nem Penélope é uma mulher
domesticada. (Renata
Cazarini)