"ANTÍGONA" E "PROMETEU" EM 2017 [PARTE II]
Palácio
de Luxor, na antiga cidade de Tebas, considerada Patrimônio da Humanidade
o cientista político Bolívar Lamounier
publicou no final de setembro artigo de opinião no jornal O Estado de S. Paulo sob o título “Creonte, rei de Tebas, e as eleições de 2018”.
Antes de breve comentário sobre o
artigo, o que me assalta é a dúvida se a realidade se impõe ao teatro ou se, de
fato, o teatro é essa vitrine imensa expondo o mundo real.
Não trabalho com a hipótese de ter sido
mera coincidência a recorrência da peça “Antígona” no palco brasileiro em 2017.
Considero, sim, um reflexo voluntário – senão, voluntarioso – de encenadores
diante da cena política nacional.
Primeiro, ao artigo. Depois, às várias
versões da “Antígona” montadas ou remontadas este ano entre Rio e São Paulo (se houver falhas no levantamento, colaborações
são aceitas).
Para Lamounier, o que se delineia no
cenário eleitoral de 2018 é “a clássica tragicomédia latino-americana”. Se
entendi bem o que o ele quis dizer, a analogia com o teatro passa por políticos
representando papéis à esquerda e à direita do espectro político num segundo
turno eleitoral:
“...os suspeitos de sempre, um se
fazendo passar por ‘esquerda’ e o outro por ‘direita’...”.
O que tem isso a ver com a clássica
“Antígona”? Nada, me parece, porque ali na tragédia, que não é tragicomédia,
valores arraigados entram em disputa honesta, tão honesta que – afastado
qualquer maniqueísmo sobre opressor e oprimido – fica difícil dizer que haja o
certo e o errado.
Lamounier
coloca em seu artigo como epígrafe a seguinte frase de Creonte na tradução de Guilherme de Almeida:
“Não se pode prejulgar um homem, / decidir
de sua alma e do que sente, enquanto / ele não mostrar quem é, ditando leis”
(versos 175-177).
Após enunciar rapidamente o motivo da
convocação do coro de anciãos de Tebas, o de não dar honras fúnebres a
Polinices, Lamounier afirma que a dimensão dos problemas no Brasil é “milhões
de vezes maior que o tormento que se abateu sobre Tebas”. Será?
A dimensão da crise configurada na
“Antígona” de Sófocles espelha, a meu ver, um cenário de ruptura como o que se
configura no Brasil. O apelo de Lamounier é por uma solução intermediária: “Se
não formos capazes de desarmar os espíritos e construir uma grande coalizão de
centro, convém nos prepararmos para um longo período de sofrimento”. Caso
contrário, prevê o cientista político sócio-diretor da consultoria Augurium, “em duas décadas não teremos
um só Polinices, mas milhões deles, servindo de pasto para hienas e abutres”.
Ora, os “milhões” hiperbolicamente
usados por Lamounier não bastam para sobrepor a situação brasileira à tebana.
Lá, Creonte impunha a cidade como valor máximo, acima das relações de
parentesco. Aqui, já passa da hora que a nação se sobreponha ao particular.
Talvez o cientista político devesse ter
citado um trecho maior do discurso de Creonte, que prossegue assim, ainda na
tradução, por ele escolhida, de Guilherme de Almeida (versos 178-190):
Quanto a mim,
sabei que aquele que governa
e que, sem
servir à justa causa, cede
ao receio, e
fecha a boca, esse eu acuso
e condeno como
o pior dos governantes.
e também
aquele que ousa sobrepor
um amigo à
pátria, a esse eu julgo um nulo.
eu, no entanto
– e zeus sempre presente o sabe –
eu não sei
calar quando, em vez da ventura,
vejo a
desventura vir contra a cidade;
e nem sou
capaz de ser amigo desse
que vem contra
a pátria, pois só quem a leva
pelos justos
rumos, esse é que há de ser,
por virtude
dela, um amigo entre amigos.
Se o discurso de Creonte não convence a
todos (e há os que fazem pesar mais as relações naturais e leis divinas ante a
instância coletiva e pública), atendendo a esses, arrisco-me a questionar por
que Lamounier prevê que seremos milhões de Polinices e não milhões de
Antígonas. Polinices derrotados e não Antígonas heroicas? (Renata
Cazarini)
As montagens de “Antígona” ao longo do
ano:
Antígona, direção de Moacir Chaves (inédita)
Antígona, direção de Amir Haddad (inédita)
Antígonas, direção de Mário Santana
Antígona, direção de Mariozinho Telles
(homenagem póstuma)
Antígona [leitura dramática], direção de
Luciana Lyra
Antígona EnTerra,
direção de Carolina Angrisani
Trágica.3, direção de Guilherme Leme Garcia