Pompeii Theatrum mundi


O Prof. Dr. José Eduardo S. Lohner (USP) teve a rara oportunidade de assistir a uma encenação da Fedra de Sêneca na Itália neste verão e fez um breve relato dessa experiência para o blog.

José Eduardo dos Santos Lohner* (texto e fotos)

Prima Rassegna di Drammaturgia Antica — 22 de junho a 23 de julho de 2017
Um projeto do Teatro Stabile di Napoli, Teatro Nazionale e Soprintendenza Pompei


No início deste verão [europeu] realizou-se a primeira edição de uma mostra de dramas antigos no Teatro Grande de Pompeia, situado no Parque Arqueológico de Pompeia, nas proximidades de Nápolis.

Do programa constaram as seguintes obras: Ésquilo, “Oresteia” (22-25/junho) e “Prometeu” (30/junho-02/julho), Eurípides, “Bacantes” (14-16/julho), Sêneca, “Fedra” (22-23/julho), e ainda uma versão moderna, de Jean Anouilh, sobre o mito de Antígone, intitulada “Antígone, uma história africana” (5-6/julho).

Desde 2014 têm ocorrido montagens de peças teatrais antigas e modernas nesse teatro, construído na segunda metade do século II a.C. Desta vez, segundo os organizadores, decidiu-se pela realização de um evento restrito à dramaturgia da Antiguidade, que privilegiasse a relação entre as obras encenadas e o espaço teatral, fortemente caracterizado por sua estrutura arquitetônica e sua história, fatores que por si já constituem um primeiro elemento da narrativa teatral.


A montagem da tragédia “Fedra” de Sêneca, dirigida por Carlo Cerciello, foi feita com base na tradução de Maurizio Bettini, latinista e antropólogo da Universidade de Siena.

O diretor, nas Notas de Direção, justifica duas particularidades dessa encenação, sendo a primeira delas a opção de entrecruzar a cena inicial da monodia de Hipólito e a cena subsequente do diálogo de Fedra com a ama, para “evidenciar imediatamente a substanciais diferenças entre o mundo livre e selvagem de Hipólito e o mundo oprimente, asfixiante e doloroso de Fedra, entre a selva e o palácio”; a segunda, a atribuição da interpretação dos personagens Hipólito e Teseu ao mesmo ator, de modo a retratar a “sobreposição de dois hemisférios afetivos de Fedra”. Cerciello complementa: “A ideia, portanto, é a de mostrar como dois mundos diversos coexistem no interior do ser humano.

Hipólito possui o pudor, Teseu, o furor. O primeiro irá poupar Fedra, o segundo não poupará o filho, mas diante do cadáver dilacerado de Hipólito, pudor e furor vão se fundir, permitindo a Teseu reconhecer a própria culpa e, sobretudo, o poder soberano da natureza”.


O espetáculo foi exuberante pelo número de participantes, trinta e um ao todo, e pelo efeito visual do cenário, que recuperou a dimensão da antiga scaena, aliado ao efeito da coreografia e do vestuário. Além de quatro atores nos papeis principais, houve a participação de um grupo de seis atrizes-cantoras, como corifeus, e de um coro de vinte e um atores figurantes. Foram também utilizados recursos modernos de iluminação e de áudio, estes últimos para a amplificação das falas dos atores, a emissão de efeitos sonoros durante as cenas e de fundo musical para as partes corais.

O resultado foi uma combinação harmônica de elementos do texto e do espetáculo teatral antigo com recursos e práticas de uma encenação moderna ao ar livre. O espetáculo foi aplaudido calorosamente por um público de aproximadamente mil pessoas, de todas as faixas etárias, que lotou os setores das instalações disponibilizados para o evento no antigo teatro, cuja capacidade é para cerca de cinco mil espectadores.

Recebeu também fortes aplausos a presença, muito apropriada para o contexto mitológico da peça, de um cão bastante dócil, tanto em sua espontânea entrada no palco antes do início da encenação, quanto depois, no encerramento, junto a todos os atores.


*José Eduardo dos Santos Lohner é professor da Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Letras Clássicas pela USP (2000). Atua principalmente nos seguintes temas: poesia dramática latina, tragédias de Sêneca; retórica e poética antigas; gramática da língua latina e tradução de obras de autores latinos. De Sêneca, traduziu: “Agamêmnon” (Globo, 2009), “Sobre a ira”; “Sobre a tranquilidade da alma” (Cia das Letras Penguin, 2014), “Sobre a brevidade da vida”; “Sobre a firmeza do sábio” (Cia das Letras Penguin, 2017).