UM MEMORIAL PARA ANTÍGONA
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crédito: Matheus Brant |
Dramaturgia: Miguel Antunes Ramos, Vicente Antunes Ramos
Direção: Vicente Antunes Ramos
Elenco: Danilo Arrabal, Giovanna Monteiro, Julia Pedreira, Joy Catharina, Rafael Sousa Silva, Sheila Almeida, Victor Rosa
Composição sonora: Mariana Carvalho
Desenho e operação de som: May Manão
Cenário: A. Hideki Okutani
Figurino: Sandra Antunes Ramos
Desenho de luz: Matheus Brant
Produção: Leonardo Birche – Arquipélago de Produção
Realização: @comiteescondido
Duração: 90 min.
TUSP Maria Antônia
Temporada: 20 abr. – 14 mai. 2023
Assistido em 7 mai. 2023
SINOPSE
A partir da construção ficcional de um
memorial para Antígona, o espetáculo discute a questão da pactuação nacional
que se deu no Brasil na transição entre a ditadura militar e o período
democrático. Em cena, 7 atores manipulam documentos sobre a criação da Lei da
Anistia de 1979, ao mesmo tempo em que, através de depoimentos das personagens
gregas, contam o mito da Antígona, fazendo com que o mito grego ecoe na história
nacional. (divulgação)
NOTA BENE
Em 2020, o
novo processo do grupo, Um memorial para Antígona, teve sua estreia
adiada em virtude da pandemia. Desse processo interrompido, nasceu Antígona
Sonora, uma produção online sobre a qual escrevi aqui. Em 13 de setembro de 2022, o Itaú
Cultural recebeu em São Paulo a peça ainda em processo, que estreou no TUSP em
20 de abril de 2023.
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COMENTÁRIO
Pego emprestada a palavra “cantata” do
material de divulgação sobre a peça Um memorial para Antígona, do
coletivo Comitê Escondido, para descrever com brevidade a primeira metade do
espetáculo, que me seduziu como não acontecia há algum tempo. A cenografia
minimalista, composta de sete cadeiras diferenciadas, atribuída cada qual a uma
das sete personagens, com a projeção de suas identidades se apagando à medida
que cada uma ocupa o respectivo assento, convida à subsequente tensa orquestração
de sons guturais opressores, compondo, assim, a densa ambientação psicológica dessa
reengenharia nacional da Antígona de Sófocles.
A montagem do encenador Vicente Antunes Ramos é demandante, cobra do espectador que seja multitarefa, acompanhando ao mesmo tempo a projeção dos textos de discursos de membros do Congresso brasileiro nos debates para aprovação da Lei da Anistia (1979) e os atuantes no palco: enquanto um oraliza o discurso, os demais emitem sons guturais. Dá vontade de acompanhar em detalhe cada uma das personagens dispostas lado a lado: a Seguidora de Antígona, Ismene, o Inaugurador, Antígona, a Cidadã, o Guerreiro de Polinices, o Guarda de Etéocles.
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Crédito: Matheus Brant |
“Através do som, buscamos evidenciar outros sentidos, que
estão ali, mas que não notamos quando lemos essas palavras. É como se, através
do som, a gente pudesse criar fissuras, buracos, e o espectador tem que
preencher o que vê e ouve. Trazemos essas palavras à tona, mais uma vez, e
essas palavras não são o que esperávamos que fossem, mas aquilo que elas mesmas
sabem ser. O som é o modo de ativá-las em cena”.
Rafael Sousa e Silva, ator (Guerreiro de Polinices)
A trama da tragédia clássica grega está em cena, mas também como fato de um passado recente, em que Antígona, morta pela causa do direito de enterrar o irmão Polinices, converteu-se já em monumento, estátua que simboliza a superação das diferenças políticas, ao passo que Ismene, a irmã receosa, ainda vive. Já não há Creonte, mas o Inaugurador do memorial. Não há Polinices, mas um Guerreiro seu. Não há Etéocles, mas um Guarda. Antígona ainda mantém uma Seguidora.
“Sobre o papel da
Ismene, também houve uma reflexão no processo de imaginá-la como uma figura
muito brasileira, de certo modo, como uma pessoa que pactuou em nome do
possível. A peça tenta muito discutir essa ideia do possível e ela pareceu essa
figura estratégica pra gente discutir. A peça tenta tematizar uma tragédia dela”.
Vicente Antunes
Ramos, encenador e coautor
Crédito: Jéssica Mangaba |
O trabalho do Comitê Escondido com
documentos da história recente do Brasil tem como mote a frase repetida várias vezes
na peça: “passado abandonado não se torna passado”. O coletivo assume a tarefa
de mobilizar e não deixar cair no esquecimento a violência perpetrada durante o
período da ditadura militar no Brasil (1964-1985). Também constrói uma
contestação intelectualizada à anistia dos autores desses crimes. A estátua de
Antígona (@giovanna.monteiro), num esforço de superação da paralisia da pedra
fria, consegue murmurar “fica tudo por isso mesmo?” – pra mim, o clímax da
apresentação.
“A peça é sobre memória. Parte da situação ficcional da
criação de uma estátua para Antígona, um evento importante, no qual toda a
cidade se reúne para rememorar essa personagem, essa história. A questão da
construção de memoriais também é central na história do Brasil, na forma como
lidamos com os traumas da ditadura militar. Existem pouquíssimos centros de
memória no país, ainda mais se compararmos com a Argentina ou o Chile, que
tiveram ditaduras próximas à nossa. Isso evidencia uma escolha: a de esquecer
para seguir em diante”.
Miguel Antunes Ramos, coautor
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7 maio 2023 |
A metade final da montagem não reteve tanto minha atenção. Fiquei com a impressão de discursividade em excesso. Em mais de um momento pensei que a peça acabaria ali. A mensagem tinha sido dada: é preciso ir contra jogar uma pá de cal sobre os mortos da ditadura. De fato, a palavra de ordem “sem anistia!” é muito atual.
Renata Cazarini
Se quiser fazer uma leitura pertinente ao tema, o Comitê Escondido recomenda o capítulo “Monumentos à deriva”, de Maurício Lissovsky e Ana Aguiar.
Também uma entrevista com o elenco no Programa Foyer, no YoutTube.
Queria assistir.
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