OS PERSAS


Onde: Teatro de Epidauro, Grécia (transmissão ao vivo)

Quando: 25.07.2020

Duração: 100 minutos

Em grego moderno e antigo, legendas em inglês.

Diretor: Dimitris Lignadis, diretor artístico do Teatro Nacional da Grécia

Elenco: Vasilis Athanasopoulos, Alberto Fais, Konstantinos Gavalas, Nikos Karathanos, Lydia Koniordou. Spyridon Kyriazopoulos, Alkiviadis Maggonas, Laertes Malkotsis, Giorgos Mavridis, Argyris Pandazaras, Dimitris Papanikolaou, Giannos Perlegas, Michalis Theofanous, Argyris Xafis.

Coreografia: Konstantinos Rigos

Cenário: Alegia Papageorgiou

Figurino: Eva Nathena

Link do Teatro Nacional da Grécia, com ficha técnica completa e fotos


A notícia é que aconteceu pela primeira vez uma transmissão on-line ao vivo do teatro de 2.300 anos em Epidauro, no sul da Grécia. Segundo a agência AP, o governo grego autorizou poucas apresentações neste verão, impondo restrições sanitárias devido à pandemia da Covid-19, como a ocupação de apenas 45% dos 10 mil assentos. 


O que se pôde ver na transmissão on-line, iniciada uma hora antes da apresentação, com a chegada do público no início da noite (21h na Grécia), foi o bloqueio das áreas laterais da plateia e, ao mesmo tempo, a proximidade grande entre os espectadores, posicionados de frente para o palco. Eles aparentavam estar usando máscaras, sendo conduzidos por assistentes da organização protegidos com visores plásticos e luvas cirúrgicas. A seguir, um print do final do espetáculo.



A peça de Ésquilo (472 a.C.), que trata da derrota persa para os gregos na batalha naval de Salamina (480 a.C.), foi encenada em grego moderno com incursões no grego antigo, como na fala final da montagem, de aproximadamente 100 minutos, quando os membros do Coro, formado por nove anciães persas, se reafirmam como guardiães (φύλακες), retomando o párodo anapéstico. O Coro teve, no mínimo, dois momentos de protagonismo, a meu ver.


Na feliz coreografia do ritual de necromancia do 2º estásimo, quando é invocado o espectro do rei Dario. Sem recorrer a pirotecnias, quero dizer, aos recursos tecnológicos abundantes no teatro atual, a coreografia apoiada nas camisas brancas que os membros do Coro desvestem e utilizam como extensão do corpo em movimento, é convincente. Depois chega Dario andando, numa veste interessante à primeira vista, mas um pouco óbvia quando o entusiasmo assenta.



A plateia em Epidauro (supõe-se que composta majoritariamente de locais) interrompeu a peça para aplausos em duas ocasiões de discursos claramente contrários à opressão política e em favor da democracia. O mais impactante, quando a rainha Atossa, mãe de Xerxes e viúva de Dario, questiona o Coro sobre quem comanda os atenienses e seus exércitos. 


Na dramaturgia da peça, mas não no texto de Ésquilo, a pergunta se repete. Cada um dos nove membros do Coro olha para outro à procura de quem vai dar à rainha, após ter perguntado três vezes, a resposta espantosa: “Não se dizem servos nem submissos a ninguém” (v.242, na tradução de JAA Torrano).


Penso que esse tenha sido um dos momentos mais bem construídos da dramaturgia dessa montagem, feito mesmo para arrancar aplausos diante da expectativa crescente – e não importa que a peça tenha 2.500 anos. Aliás, numa nova montagem, há sempre a expectativa de que algo novo, inesperado, possa surgir. 


Noutro momento, no entanto, se leio a estratégia dramatúrgica corretamente, dispositivo semelhante não funcionou. O rei Dario, no final da sua cena, no 3º episódio, repete a seguinte mensagem aos anciãos do Coro e bate duas vezes na sua longa veste, soltando um pó branco, como se num efeito especial: “Vós, anciãos, alegrai-vos, entre males, / concedendo à vida o prazer de cada dia, / que aos mortos a riqueza não serve” (v.840-2, na tradução de JAA Torrano). O texto de Ésquilo não se repete.


Eu não suspeitaria de nada, penso, não fosse a transmissão, que enquadrou o ator Nikos Karathanos com aquela feição de expectativa. Até me pareceu que ele estava repetindo a fala por iniciativa própria, esperando aplausos. E aqui vem a questão que me interessa mais do que tudo pôr em pauta.


TRANSMISSÃO ON-LINE AO VIVO É TEATRO?

Na “sala” de espetáculo, não importa se ao ar livre para 4.500 pessoas ou com ar condicionado para 300, não importa se palco italiano ou arena, o espectador tem a visão do todo o tempo inteiro. O espectador tem certo grau de autonomia para ver o que quiser ver de tudo o que se apresenta à sua frente. 


Esse é um princípio do teatro. Essa liberdade de “editar” a sua experiência teatral. Mesmo quando um personagem tem a posse da fala, o espectador não é obrigado a focar nele seus olhos – talvez prefira ver a reação do antagonista, que espera seu turno de fala. [Eu mesma faço isso muitas vezes!]


Não é o que acontece numa transmissão convencional como a que se viu desde Epidauro. Havia cortes e closes, uma edição de imagens, e isso dirige o espectador e o transforma em telespectador. O print imediatamente abaixo mostra o que seria equivalente à visão totalizante do Coro no palco de Epidauro, possibilitada a um espectador lá presente.



O próximo print exibe um close ou tomada de detalhe lateral do mesmo Coro, visão parcial num enquadramento magistral, só possibilitada ao telespectador.



O figurino, motivo de vários comentários elogiosos, é potencializado pela transmissão em vídeo. Os detalhes bordados das vestes do Coro e de Xerxes ganhavam dimensão na tela. Veja o print de Xerxes, voltando da guerra em andrajos, num plano americano.



Em seguida, o que só se viu na transmissão: close no bordado das costas da camisa, onde estão listados persas vitimados na batalha, conforme o verso 302 e seguintes: Artembares, Dadaces, Tenágon etc.



Agora, atenção, nada contra a transmissão on-line ao vivo de teatro. Só é preciso se dar conta do que se vê e de como se vê o que se vê. Muito se ganha com uma iniciativa inédita como essa. Não tenho ideia de quanto se perde. Nunca estive em Epidauro. Azar meu.

(Renata Cazarini)


Há muito mais a tratar sobre o grande espetáculo de “Os persas” pelo Teatro Nacional da Grécia. Quem viu e quiser comentar, este é um espaço para trazer sua opinião. 


Por ora, fica o link de algumas cenas para ver ou rever. Ainda não há gravação completa na web.

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